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A crise da habitação criou uma nova canção de protesto? – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 21, 2023

Na frente do palco, de semblante cabisbaixo, Ana Bacalhau prepara-se para apresentar uma canção inédita. Pedro da Silva Martins dedilha uma variação de três acordes. A canção chorosa encarna o desencanto da precariedade laboral, a plateia do Coliseu do Porto subscreve de imediato os versos, ecoam clamores e palmas e Parva que Sou torna-se instantaneamente um hino geracional. No dia seguinte, um grupo de amigos ouve a gravação amadora do concerto dos Deolinda e decide fundar um movimento cívico: a Geração à Rasca. Estávamos em 2011. No dia 12 de março, a Geração à Rasca foi a maior manifestação política em Portugal desde o 25 de Abril. E tudo começou com uma cantiga.

No início de 2011, Parva que Sou foi a canção que obrigou os portugueses a irem para a rua gritar, mas vieram tantas outras de uma assentada: A Luta é Alegria, dos Homens da Luta, Com Todo o Respeito de Jorge Palma, ou claro, Eu Queria um Emprego, a inevitável contribuição maliciosa de Quim Barreiros — “Quem quiser um emprego/ Tem que dar o seu CÚrrículo”. A música popular portuguesa registou, em direto, uma banda sonora para as manifestações que mobilizaram milhares de portugueses. Hoje a crise é outra. “Temos dificuldade em ter casa, vivemos em habitações sem condições, hoje o aluguer de um quarto custa o que se pagava por uma casa há dez anos”, defende o movimento Vida Justa, que organiza este sábado, em Lisboa, uma nova manifestação. Se há dez anos a população estava armada de canções até aos dentes, qual é a banda sonora da crise de habitação?

Nas manifestações Casa Para Viver, dia 1 de abril e 30 de setembro, os cartazes foram um barómetro para o pulso musical dos manifestantes. O refrão de Liberdade de Sérgio Godinho, com o sublinhado na “habitação”, entre o pão e a saúde, foi um dos eleitos, assim como os chavões de José Afonso, desde “Em cada esquina um amigo” a “Eles comem tudo e não deixam nada”. “Há canções de protesto muito focadas em temas ou acontecimentos concretos, mas pela forma como foram apropriadas pelo público têm a capacidade de irem além do período temporal em que foram produzidas, como a Liberdade do Sérgio Godinho”, justifica o etnomusicólogo Hugo Castro, investigador do INET-md, atualmente curador do espólio de José Mário Branco. “Se havia uma preocupação com a transformação da sociedade portuguesa em temas como a habitação, saúde e educação, 50 anos depois, alguns destes problemas ainda persistem. Este reportório distante no tempo continua a inspirar os movimentos sociais e políticos e a servir de referência para que surjam novas canções, independentemente do género musical”.

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