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A tragédia do liberalismo – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 23, 2023

Quando nos debruçamos sobre temas difíceis, como o da tragédia do liberalismo, devemos começar pelas perguntas primordiais. E uma dessas perguntas é: para que serve a filosofia? (Podem parecer assuntos distantes, mas vou tentar mostrar que se relacionam.) Como sempre acontece no reino filosófico, a doutrina divide-se. Para Platão, a filosofia visa a verdade; para Marx, deveria transformar o mundo; para os puristas, não vale pela sua finalidade. Pela minha parte, quando tento provar que a filosofia é útil no domínio da ciência política (contra os que entendem que ela é dispensável), costumo adotar uma perspetiva wittgensteiniana: a filosofia ajuda na árdua tarefa da clareza conceptual, isto é, no esforço fundamental de esclarecer os termos e os conceitos que usamos, pois só isso permite uma conversa política frutífera – conversa a que estamos condenados por termos esta terrível natureza social.

Isto significa que devemos ter em conta as palavras que usamos e esclarecer o sentido com que usamos essas palavras, i.e., a sua história, o seu contexto teórico ou a inovação que pretendemos introduzir. Assim, se queremos levantar a hipótese de haver uma dimensão trágica no liberalismo, convém que esclareçamos em primeiro lugar o que queremos dizer com a palavra liberalismo. E esse esforço é particularmente relevante uma vez que o termo é hoje usado de muitas formas, quase todas legítimas, mas muitas vezes contraditórias, como acontece quando, nos Estados Unidos, os liberals representam a esquerda (por oposição aos conservadores), enquanto na Europa os liberais são quase sempre associados à versão económica do liberalismo e, por isso, colocados à direita.

Para efeitos do presente texto, a palavra liberalismo remete para a tradição filosófica que nasceu em contexto inglês no século XVII e que, de acordo com Pierre Manent, constitui “a base contínua da política moderna, da Europa e do Ocidente, desde há cerca de três séculos”. Filosoficamente, não podemos pensar no liberalismo sem passar por Thomas Hobbes (o primeiro autor a apresentar uma teoria amadurecida do contrato social, e com isso a inaugurar o individualismo moderno e o princípio da igualdade política). Mas é com John Locke, que escreve durante a Revolução Gloriosa de 1688, que o liberalismo começa a ganhar forma: partindo do valor da liberdade individual, o liberalismo político traduz-se numa teoria de limitação do poder político. O mesmo é dizer: a garantia de liberdade individual exige um poder político juridicamente limitado (por uma Constituição, leis gerais e abstratas, separação de poderes, declarações de direitos individuais).

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