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demasiado perigoso para ser vaca sagrada – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 29, 2023

A dado momento da entrevista conduzida pelo crítico João Pedro George no Museu Municipal de Penafiel, no que foi o ponto alto do festival Escritaria que o homenageou, Miguel Esteves Cardoso (MEC) confessou perante uma plateia antecipadamente rendida que, daqui a muitos anos, gostaria de ir para o Panteão Nacional. Mas primeiro queria saber quem é que está lá. Afinal, as companhias são importantes. Pelo andar da carruagem – Grande Prémio da Crónica da APE este ano, homenageado no Escritaria – MEC corre o risco de ir parar ao Panteão ainda em vida. O primeiro português digno de tal honra.

O que seria também uma tremenda injustiça porque, ontem, na hora e meia que durou a entrevista, o cronista que nos últimos anos exibiu, nas crónicas, uma espécie de misticismo bucólico e semi-contemplativo, dedicado ao louvor das maçãs de Colares, dos pêssegos da Praia das Maçãs e dos luares de Seteais (esta era de Tomás de Alencar, perdão), deu uma prova de vida e ofereceu ao público penafidelense um vislumbre do MEC de antigamente: pensamento ágil, humor explosivo, palavras certeiras. Talvez o duende traquinas que escreveu as crónicas reunidas em livros como A Causa das Coisas ainda viva dentro dele e continue a observar-nos, cruel e pacientemente, enquanto nos distrai com o elogio à beleza e às propriedades do medronho.

Mas se ainda é cedo para planos de realojamento de MEC no Panteão – o diabo seja cego, surdo e mudo – é inegável que está em curso um processo secular de canonização do cronista ou, o que seria dramático e, presume-se, traumático, um processo de bovino-sacralização, aquele processo através do qual uma alta figura da cultura nacional se transforma numa vaca sagrada, intocável e consensualmente elogiada. Seria um destino inglório e irónico para um homem que passou uma parte significativa da carreira a esvaziar, com doses iguais de perícia e perfídia, os balões que os portugueses têm a tendência megalómana de encher muito para além da sua capacidade pulmonar e intelectual.

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