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A profundidade de Péter Nadás – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 5, 2023

É um dos mais importantes escritores da actualidade e todos os anos surge como forte candidato ao Nobel da Literatura. Não chegou ainda, mas Péter Nádas (1942-) já está traduzido por todo o mundo. A sua obra, até agora inédita em Portugal, chega com selo da Cavalo de Ferro, e começa-se pelo princípio. A Bíblia, publicado pela primeira vez em 1967, é o primeiro romance do escritor.

No livro, estamos em Budapeste, algures nos anos 1950. A acção é vista e contada por Gyuri, uma criança, filho de altos funcionários do partido comunista, que vive numa vila situada nas colinas da capital húngara. Passa os dias pelo jardim, deambulando, comendo o tempo. Os pais chegam tarde e ele vai sendo acompanhado pela avó. Pela forma como é descrita, a sua infância sabe a espera – durante o dia, aguarda a chegada dos pais, entretendo-se com o que o jardim tem para dar e ver. A mãe chega mais cedo, e então esperam os dois – os três – pelo pai, que, ao chegar, não lhe dá muita conversa. A vida parece tranquila e equilibrada, mas o cenário pitoresco esconde outros cenários.

Estando a avó a tomar conta da casa, e velha, os pais de Gyuri contratam Szidike, uma jovem que vem de um terreno rural e que acaba por dar uma reviravolta na narrativa. Isto vai introduzindo as discrepâncias – de um lado, a criada; do outro, os patrões –, ainda que, à chegada, Szidike seja aparentemente bem recebida, com o patrão a dizer-lhe que ali é família. Ainda assim, entende-se que se parte de lugares diferentes e entende-se ainda que a narrativa esconde o status quo de um país. Desta forma, a Hungria estalinista não é mostrada, explicada, detalhada. Em vez disso, existe como panorama ao longe, com Gyuri a descrever só o que vê, só aquilo de que se apercebe. Esta escolha de perspectiva vai servindo para conferir à narrativa uma subtileza omnipresente – o rapaz descreve a chegada tardia dos pais, mas não aponta os motivos; descreve a relação distante com o pai, mas não a desenvolve, simplesmente naturalizando-a; julga que ou se acredita em Deus ou se é comunista, mas não concatena os motivos, nem percebe que bisturi é esse que separa as pessoas. Portanto, Gyuri descreve a frieza da classe executiva da Hungria estalinista, mas não percebe que o faz; o que vê é o que existe, sem perspectivar a vida para fora das fronteiras da casa.

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