O último dia de 2023 viu chegar à Netflix The Dreamer, o mais recente especial de stand up comedy do controverso Dave Chappelle, já o sétimo lançado nesta colaboração com o gigante do streaming que começou em 2017 com The Age of Spin. Não deixa de ser curioso o timing quase concorrencial com Armageddon de Ricky Gervais, uma semana antes e na mesma plataforma. Em ambos os casos, a enorme expectativa que nomes com este gigantismo acarretam foram recebidos de maneira bastante fria pela crítica e morna pelos fãs, exceto os seus mais fiéis súbditos.
No seu especial anterior, The Closer, de outubro de 2021, Chappelle atingiu novos níveis de polémica quando o conteúdo do espetáculo foi amplamente – não ineditamente – acusado de ter piadas transfóbicas e de atacar a comunidade LGBTQ, chegando a provocar manifestações e até um walkout de funcionários da Netflix, que abandonaram os seus postos de trabalho em protesto (não com o objetivo de que o especial fosse retirado do ar mas que a empresa fosse mais sensível e apoiasse mais projetos de natureza queer e procurasse ter uma representatividade mais abrangente nas posições de decisão e criação de conteúdo).
Aos cinco minutos e meio deste The Dreamer (já incluindo os quase dois da introdução com o comediante no backstage, pensativamente a aguardar o momento de entrar em palco ao som de Radiohead, em slow motion e a preto-e-branco, numa cena que deveria ser paródia de tão clichê que é), Chappelle avisa o público: “Se vieram a este espetáculo a achar que eu ia gozar outra vez com essas pessoas, estão errados. Já não me vou meter com eles, não valeu a pena o trabalho. Se calhar só três ou quatro vezes mas não mais. Hoje vão ser só piadas com deficientes”. Sendo que por esta altura, já tinha usado a comunidade trans como punchline da sua piada de abertura, uma pequena história sobre como há muitos anos tinha sido convidado para conhecer Jim Carrey, o seu ídolo na comédia, num dia de rodagem do filme Man on The Moon (1999, de Milos Forman), onde este interpreta o também comediante Andy Kauffman. No dito dia, Chappelle ficou profundamente desiludido por Carrey estar tão comprometido com o papel que nunca saiu de personagem mesmo sem estar a filmar, o que obrigou Dave a ter que tratá-lo por Andy e fingir que quem estava à sua frente não era Jim Carrey, ainda que fosse óbvio para ele que era Jim Carrey quem estava à sua frente. “E é o mesmo que as pessoas trans me fazem sentir”.
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