Esta será a primeira apresentação de “Canine Jaunâtre 3” pelo Ballet da Ópera de Lyon, que também levará a coreografia ao grande auditório do Teatro Nacional de Bruxelas, de 14 a 16 de março.
“Canine Jaunâtre 3” foi criada para a Batsheva Dance Company em 2018, a convite do então diretor artístico Ohad Naharin, na sequência da participação de Marlene Monteiro Freitas no Festival de Israel dois anos antes. A estreia foi feita em Jerusalém, em maio de 2018, no contexto de uma nova edição do festival, a poucas semanas de a carreira da bailarina e coreógrafa ser distinguida com o Leão de Prata da Bienal de Veneza.
Monteiro Freitas descreve “Canine Jaunâtre 3” (“Canino amarelado 3”, em tradução livre) como um jogo de peças Lego, dominado por personagens animadas, dirigidas como se estivessem num “circo desordenado”.
A coreografia, a primeira que concebeu para um grande número de bailarinos, “começou com a ideia de um estaleiro de construção, de erguer e demolir coisas”, disse Marlene Monteiro Freitas ao jornal Jerusalem Post, poucos dias antes da estreia.
“Pensei que este estaleiro devia ser como o Lego, que podia ser concebido dessa maneira”, afirmou ao jornal, em maio de 2018. “Queria que tivesse o aspeto de um jogo, como fazem as crianças, que mudam as regras à medida que querem ganhar. Se estão apaixonadas por um brinquedo, pegam nele, mesmo que não seja delas. Queria que esta capacidade infantil prevalecesse”.
“Canine Jaunâtre 3” compõe assim um mundo imaginário, onde cabem “diferentes tarefas, acidentes e muito mais”. Como a coreógrafa explicou, trata-se de “fazer, desfazer, avançar, recuar”.
O jornal francês Libération, quando da estreia de “Canine Jaunâtre 3” no festival de Montpellier, em junho de 2018, definiu a obra como “um genial freak show.”
Em palco é estendida uma rede de ténis, para um jogo “que nunca se realizará”. Os 17 bailarinos, todos vestidos de negro, de luvas azuis e com o número 3 nos corpos, “estão sujeitos a regras e princípios contraditórios”, movem-se “numa existência em transe, repleta de contradições: construção e desconstrução, trabalho e preguiça, atividade e lentidão”, lê-se no texto de apresentação do Ballet de Lyon.
“Estes magníficos virtuosos sem objetivo aparente, permutáveis, mas perfeitamente identificáveis”, entram gradualmente num território incerto, “onde as fronteiras se esbatem entre homem, animal e máquina”, dando corpo a um exercício que questiona “os hábitos demasiado confortáveis de perceção” do mundo em volta.
“Onde o coração bate, não é onde o coração para. Ser, em vez de dizer ou contar, fazer verdadeiramente o falso, centrar-se nas situações, nas figuras e na ficção”. Marlene Monteiro Feitas, citada pelo programa do bailado, diz que escreveu esta frase após o seu encontro com os bailarinos da companhia Batsheva, resumindo o sentido desse encontro.
“Embora o virtuosismo dos bailarinos tenha importância, a procura é por formas de metamorfose além do virtuosismo”, acrescentou. “Um corpo não hierárquico, tão flagrante como sub-reptício, não governado por um cérebro, não pulsado por um coração, na sua capacidade de se metamorfosear, ser outra coisa.”
“Herdeira dos carnavais da sua infância em Cabo Verde, Marlene Monteiro Freitas prefere perturbar a ordem das coisas”, lê-se na página do Ballet da Ópera de Lyon, na apresentação de “Canine Jaunâtre 3”. A obra transgride “jubilosamente as fronteiras que separam o homem, o animal e a máquina.”
Marlene Monteiro Freitas assina a coreografia, os figurinos e a escolha das múltiplas referências musicais que se cruzam em “Canine Jaunâtre 3”, assim como a cenografia, com Yannick Fouassier.
A montagem de “Canine Jaunâtre 3” em Lyon é feita em colaboração com a estrutura portuguesa P.OR.K, de que Marlene Monteiro Freitas é cofundadora. A encomenda original, pela Batsheva Dance Company, foi feita em coprodução com os festivais de Amesterdão e de Montpellier, onde a obra também foi apresentada.