Já tinham passado dez minutos de discurso. António Costa acelerava na retórica num congresso que tem a carga dramática de ser o último da sua carreira como líder dos socialistas: “Nós conseguimos aumentar salários e ao mesmo tempo criar empregos, nós conseguimos aumentar salários e aumentar o investimento das empresas, nós conseguimos aumentar salários e aumentar as exportações, nós conseguimos aumentar salários e melhorar a nossa competitividade”. Mas quando se julgaria que ia fechar a enumeração de um país que o ainda primeiro-ministro vê a mudar em função daquilo que o Governo escreve no Diário da República, eis que António Costa acaba a deixar-nos uma das afirmações mais interessantes sobre aquilo que o preocupou enquanto primeiro-ministro: o diabo.
O “diabo não veio, não veio e não veio” repetia Costa com o arrebatamento de quem faz um esconjuro, para depois, numa inflexão de voz, anunciar como quem partilha um qualquer de retro, “eu vou agora revelar um segredo: porque é que o diabo não veio? O diabo não veio porque o diabo é a direita“. A assistência aplaudia. Muitos sorriam. Todos eles temeram de facto que o diabo viesse. Não Belzebu nem Satanás mas sim aquele outro diabo que no dia 6 de Abril de 2011 viram claramente visto no palácio de São Bento enquanto José Sócrates anunciava ao País que Portugal ia pedir ajuda externa. O slogan das contas certas deixa assim de ser slogan e torna-se mantra quando se ouve Costa repetir o “diabo não veio, não veio e não veio”.
Sim, a preocupação de Costa em não repetir a humilhação por que passou Sócrates e a alteração das regras europeias afastaram do horizonte dos últimos anos o espectro duma falência como aquela a que o PS nos levou em 2011. Mas não impediram que o diabo viesse. Ao contrário do que diz António Costa, o diabo veio. Entrou no SNS onde ora o frio ora o calor, sem esquecer as escalas de férias e dos dias úteis… tudo são pretextos para explicar o não funcionamento. Banalizaram-se as urgências fechadas e os doentes urgentes que morrem à espera de ser observados. Dizem-nos agora que nós é que não sabemos usar o SNS e repreendem-nos porque existe um “afluxo excessivo às urgências“, como se as urgências não fossem a única opção que resta aos 1,7 milhões de portugueses que não têm médico de família. Aliás o número de pessoas sem médico de família não só tem vindo a aumentar — em 2023, mais 155 mil utentes ficaram sem médico no seu centro de saúde — como tudo indica que continuará a aumentar: em Dezembro último, o Governo abriu 924 vagas para médicos de família. Apareceram 143 candidatos. Das 29 vagas para a especialidade de Saúde Pública 17 não tiveram candidatos.
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