Cerca de duas centenas de bombeiros concentraram-se este sábado em frente ao Ministério da Administração Interna (MAI), no Terreiro do Paço, para pedir “vontade política” para iniciar negociações que permitam criar uma “carreira com futuro” que os reconheça como profissionais.
Os bombeiros estão concentrados desde as 16:00, num protesto convocado pelo movimento ‘Operação Carreira’, juntando centenas de profissionais vindos de diversos pontos do país, alguns com cartazes, outros empunhando a bandeira nacional, tendo sido entoado o hino nacional pelos manifestantes cerca de uma hora depois do arranque da iniciativa.
Numa intervenção perante os bombeiros presentes, o porta-voz do movimento, o comandante do Corpo de Bombeiros de Azambuja, Ricardo Correia, disse, a propósito da manifestação convocada pela extrema-direita que ao final da tarde se encaminha para o mesmo local, que ao menor sinal de insegurança a concentração irá dispersar.
“Nós somos soldados da paz, não queremos participar em nada que tenha qualquer conexão política ou de extremos. Se entendermos que em algum momento há alguma perturbação da nossa segurança desmobilizaremos de imediato, porque não estamos cá com esse intuito”, reiterou depois em declarações à Lusa.
Sobre o protesto, Ricardo Correia disse que a motivação se explica de forma simples: “Um jovem que entre com 18 anos numa associação de bombeiros e que pretenda ficar até aos 65 anos vai ficar 47 anos com a mesma carreira, com o mesmo posto, sem ganhar nem mais um cêntimo, a não ser aqueles cêntimos que as associações humanitárias de livre vontade desejem empenhar nessa pessoa”.
Segundo o responsável, os bombeiros têm atualmente uma remuneração cerca de 50 euros superior ao salário mínimo nacional, exceto nos casos em que as corporações e as autarquias tenham capacidade financeira para pagar acima desses valores, o que leva a que dois profissionais que desempenham exatamente as mesmas funções tenham ordenados distintos.
“Neste momento quem assume o pagamento de parte destes ordenados são as autarquias e o Governo apenas uma quota parte, cerca de 37 milhões de euros para 412 associações, sendo que esses 37 milhões de euros têm que fazer face a tudo o resto, a tudo aquilo que é a atividade de socorro, portanto claramente insuficiente para dar uma carreira à estas pessoas”, disse.
Ao Estado e ao Governo, o movimento pede “vontade política” para negociar e assegurar uma “participação justa no financiamento” aos bombeiros para que todos “tenham exatamente a mesma carreira e os mesmos direitos”, sublinhando que se trata de profissionais com contrato de trabalho e vínculo jurídico às corporações a que pertencem.
Ricardo Correia reconhece que “é justo” o argumento de que o Governo está em gestão e sem capacidade para esta negociação, mas sublinha que o objetivo do protesto é colocar o tema na agenda política de todos os partidos, de olhos postos nos programas eleitorais para as legislativas de Março.
“Não sabemos quem será o próximo ministro da Administração Interna, o que queremos é colocar isto na agenda deles, no seu programa político, seja qual for o partido, ponham no seu programa político que os bombeiros voluntários das associações humanitárias precisam de uma carreira. Todos estamos conscientes que isto não é um problema que se vai resolver neste ano, nem no próximo, obrigará a uma alteração de legislação profunda que levará a que de uma vez por todas estas pessoas se sintam dignificadas na profissão que têm, disse.
Um ponto de partida para a negociação, referiu, pode ser o exemplo da região autónoma da Madeira, onde o Governo regional é outras entidades competentes já se sentaram à mesa das negociações para garantir um financiamento equilibrado entre entidades e alterações legislativas que garantam que o reforço de verbas acordado é canalizado para os bombeiros.
Dados enviados à Lusa pelo MAI referem que o financiamento das associações humanitárias de bombeiras aumentou ao longo das duas últimas legislaturas, referindo que já em 2024 houve um aumento de 4,7% no financiamento permanente destas associações, para os 33,2 milhões de euros.
Refere também que no que diz respeito à profissionalização, as Equipas de Intervenção Permanente eram 753 em 2023, agregando “um total de 3.715 bombeiros com vínculo laboral”, assegurando “maior estabilidade”, sendo que as equipas “representaram, em 2023, um investimento total de 53 milhões de euros, repartidos entre Estado central (MAI e Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil) e as autarquias”.
Segundo Ricardo Correia, existem neste momento 11.500 bombeiros nas associações humanitárias, mas há cada vez mais lugares em aberto, pela incapacidade de atrair interessados.
João Pratas, de 20 anos, dos Bombeiros Voluntários da Golegã, manifestou interesse praticamente desde o berço. Filho de um comandante da corporação, diz que deu os primeiros passos no quartel, mas não tenciona dar muitos mais.
“Sou bombeiro profissionalizado, mas tenciono seguir algo melhor”, disse à Lusa o jovem bombeiro, desiludido com a falta de perspetivas na profissão, considerando que a falta de uma carreira estruturada “é uma coisa insustentável” e que gostaria de ver criada uma carreira equiparada à dos bombeiros sapadores, uma vez que fazem o mesmo trabalho.
“Só somos reconhecidos no verão”, lamentou o jovem bombeiro, ao lado do colega de corporação Tiago Pereira, de 25 anos e profissionalizado há cinco, que levou à manifestação a sua reivindicação num cartaz: “Dignidade para salvar vidas”.
Sérgio Azevedo, dos bombeiros de Arouca, foi ao protesto com quatro colegas da mesma corporação para reivindicar uma carreira e o direito à estabilidade, concordando também que deviam ser equiparados a sapadores profissionais.
Lamentando que a carreira esteja “nivelada por baixo” e que a concentração de hoje não tenha tido maior participação, mostrou-se satisfeito, pelo menos, com a colocação do tema na agenda política.