“Sustentabilidade” tem sido uma das palavras mais repetidas ao longo dos últimos anos. Em particular, e naturalmente, no setor automóvel. E numa atualidade em que “sustentabilidade” é, e ainda bem, palavra de ordem, Portugal possui um parque automóvel envelhecido – na realidade, um dos mais envelhecidos na União Europeia. Há já alguns anos que se alerta para esta questão, mas apenas agora parecem verificar-se embrionários sinais de vitória.
Os cerca de 1,5 milhões de veículos ligeiros de passageiros com mais de 20 anos de idade que circulam nas estradas portuguesas ilustram a falta de renovação do parque automóvel no país. No ano passado, a idade média dos quase 100 mil veículos entregues para abate foi de 24,3 anos, face a 15,6 anos em 2006. São quase duas décadas de uma trajetória ascendente que, sem intervenção legislativa, não vê sinais de abrandamento.
Vale a pena referir que nem todos os dados pintam um cenário dantesco. O aumento de 26 por cento do número de viaturas matriculadas em Portugal e uma crescente preferência por veículos mais sustentáveis adicionam uma nota de esperança ao balanço do último ano. Na categoria de ligeiros de passageiros, os veículos de energias alternativas aos motores a combustão têm um peso de 51,9 por cento. No que aos veículos ligeiros de passageiros eléctricos diz respeito, Portugal está no “top 10” da União Europeia, com um total de matrículas (18,2 por cento) acima da média europeia (14,6 por cento).
Ainda assim, e não desconsiderando o progresso que se tem vindo a construir, há factores que contribuem para o envelhecimento do parque automóvel e que continuam a carecer de intervenção. Ao longo dos últimos anos, por exemplo, tem-se assistido a um agravamento da idade média dos veículos importados usados. Em 2023, até ao mês de novembro, a idade média neste segmento foi entre sete e oito anos, comparando com quatro anos em 2020.
Neste contexto, a reintrodução de mecanismos de incentivo ao abate de veículos em fim de vida, para acelerar a substituição dos veículos convencionais mais antigos e poluentes por veículos de baixas emissões, tal como aconteceu em Espanha, Itália ou França, deverá ser uma prioridade, tal como a retirada de circulação de veículos em fim de vida com emissões médias de 170g/km de CO2. De facto, o programa de incentivo ao abate é uma das medidas da Lei do Orçamento de Estado e, por isso mesmo, importa assinalar esta vitória e tudo o que ela representa.
Estima-se que o incentivo ao abate vá resultar numa poupança energética de 3,2 milhões de litros de combustível por ano, o equivalente a 33.200 barris de petróleo. Em termos de emissões, irão registar-se menos 10.800 toneladas de CO2 ao ano. O programa vai contribuir também para uma redução da sinistralidade rodoviária, tendo em conta a maior segurança dos veículos mais recentes, e para a expansão do mercado, com um impacto positivo nas receitas do Estado, considerando a maior carga fiscal associada aos novos veículos.
Mas, em paralelo com as medidas tomadas pela União Europeia no sentido de impor limites de redução de emissões em 2025, 2030 e impondo mesmo as zero emissões em 2035, a renovação do parque automóvel é um ponto de partida realista para a neutralidade carbónica do setor automóvel. Uma política de eletrificação é relevante, mas contraditória quando não se promove um plano de renovação do parque automóvel. Os primeiros passos estão dados. Resta esperar que o vai e vem político em Portugal não implique voltar atrás.