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a difícil (mas preciosa) arte da simplicidade – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Fev 7, 2024

Uma das cenas de maior tensão sexual em Vidas Passadas implica um daqueles varões para os transeuntes se segurarem quando viajam de pé no metro. Esse varão não é usado para nenhum show de strip, apenas para o propósito para que foi criado. Duas mãos, que nem sequer se tocam, ficam ali a um centímetro ou dois uma da outra. De um lado, Nora (Greta Lee, que temos visto na série Morning Show, da Apple TV+), uma sul-coreana há mais de 20 anos emigrada entre o Canadá e os Estados Unidos; do outro, Hae Sung (Teo Yoo do filme Leto), o seu melhor amigo de infância, a visitá-la pela primeira vez em carne e osso desde que esta abandonou o seu país natal. É, portanto, uma cena em que não se passa nada — mas, ao mesmo tempo, subentende-se tanta coisa que acaba por se passar tudo. É esse o tom desta obra de estreia da realizadora e argumentista Celine Song.

Celine começou a sua carreira como dramaturga, algo que acaba por se notar na estrutura de Vidas Passadas. Uma história com poucos atores, uma única linha narrativa, muito assente em diálogos e em silêncios. O resultado torna-se, assim, voyeurista. Ali estamos nós, a assistir a três momentos-chave na ligação entre os dois protagonistas. O primeiro, a infância em Seoul, na idade em que não se consegue sequer interpretar sentimentos amorosos, e a separação quando os pais de Nora (então a responder ao nome Na Young, antes de ter escolhido a sua versão em inglês) resolvem emigrar. O segundo, quando as redes sociais lhes permitem retomar contacto na vida adulta, o que depressa descamba para uma espiral de estarem constantemente em videochamada, numa relação sem contornos claros. E o terceiro, quando anos depois finalmente passeiam juntos nas ruas de Nova Iorque.

[o trailer de “Vidas Passadas”:]

Vidas Passadas entrou no seleto clube de obras de estreia nomeadas para o Óscar de Melhor Filme — onde também estão, por exemplo, as estreias de Sidney Lumet, Orson Welles, Sam Mendes ou Jordan Peele. Também conquistou a nomeação para Melhor Argumento Original, mas não têm faltado críticas pela não nomeação de Greta Lee (é um ano difícil para as nomeações de Gretas, salvo seja). É mais uma das apostas da produtora A24, que desde que venceu o Oscar por Moonlight, em 2016, que parece não dar um passo em falso que seja. Já conquistou algum estatuto de culto, nomeadamente de espectadores e críticos que enaltecem o quão “destruídos” ficaram pela choradeira que o filme lhes causou. A minha leitura é diferente, mas impossível de partilhar sem estragar Vidas Passadas a quem ainda não o viu.

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A história de “Vidas Passadas” contada por Celine Song: “É um filme sobre a distância, sobre viver do outro lado do mundo”

Que Vidas Passadas é uma história de amor, isso é óbvio. O nome do filme vem de uma ideia de destino associada à palavra coreana 인연 (in-yeon), que implica que duas pessoas se devem cruzar oito mil vezes em vidas passadas até estarem destinadas a casar. Mas a reflexão de Celine, ela própria de ascendência coreana, é mais sobre descartar ou não uma etnia, uma cultura, uma ancestralidade, em busca de uma vida diferente. Nora está indecisa entre o marido e o amigo de infância, mas está no fundo indecisa entre ser americana ou coreana, ciente de que não é possível ter o melhor dos dois mundos. Há uma camada de Antes do Amanhecer, sim, mas há também uma discussão subentendida sobre identidade que é, afinal, o ponto mais interessante do filme. Vidas Passadas é muito simples, o que é o seu maior mérito. A simplicidade é difícil, mas aqui acerta em cheio.



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