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uma dupla de herdeiros de Baco a 20km do Luso – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Set 15, 2024

Prometo que este texto é sobre ciclismo indoor, mas deixem-me começar por um breve parêntesis. Vai assim:

No terceiro canto d’Os Lusíadas, ainda no início do longo discurso diplomático em que Vasco da Gama descreve ao rei muçulmano de Melinde a ilustre história portuguesa  — concentrando-se, por motivos insondáveis, na quantidade de membros do “povo imundo” (VII, 2) decepados pelos portugueses —, o navegador explica que o nome da ditosa pátria amada era “Lusitânia, derivada/ De Luso, ou Lisa, que de Baco antigo/ Filhos foram, parece, ou companheiros” (III, 21), identificando assim uma linhagem que vem aumentar ainda mais a nossa perplexidade enquanto leitores perante o ódio visceral de Baco contra um povo que seria, afinal de contas, seu herdeiro.

A dupla hesitação de Vasco da Gama (“de Luso, ou Lisa”; “parece”) é justificável, uma vez que o nome deste pretenso deus Luso resulta, como descobriu o camonista José Maria Rodrigues no início do século passado, de um problema de tradução numa passagem de Naturalis Historia, de Plínio, o Velho, onde se tomava por nome próprio o que seria afinal um substantivo. Assim, quando Plínio escreve lusum enim Liberi patris, a palavra “lusum” não seria uma alusão a um putativo filho e companheiro de Baco, como primeiro André de Resende e depois Camões acharam, mas sim a mais um dos jogos de Baco.

Ora, isto para dizer que das duas uma: ou os lusitanos obtiveram o nome de um equívoco ou do ainda mais remoto deus celta Lugh, inventor dos jogos com bola. É esta a nossa sina: há novecentos anos sem sabermos se descendemos do deus da bola, do patrono da alegria inebriada ou de um lamentável engano.

Seja como for, serve isto tudo para falar da dupla composta por Rui Oliveira e pelo mais recente imperador de Viana do Castelo, Iúri Leitão, dupla essa que, como todos sabemos, se formou a treinar no Velódromo Nacional de Sangalhos, a menos de vinte quilómetros — lá está — do Luso.

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Portugal é um país de anti-heróis. Não é, ao contrário do que tantas vezes dizemos de peito cheio, o país do Cristiano Ronaldo, da Rosa Mota e do Carlos Lopes, mas sim do Fernando Mamede, do Éder e do Rui Oliveira. Não nascemos para triunfar gloriosamente sobre os outros, não nascemos para brilhar no céu olímpico, mas sim para aproveitar escorregadelas de franceses e italianos ou para nós próprios cairmos quando nos julgamos superiores à concorrência.





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