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Vai começar a comissão de inquérito à Santa Casa. O que quer descobrir e quem vai chamar? – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Set 17, 2024

Uma internacionalização com resultados desastrosos ajudou a destapar uma outra série de problemas na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). Em poucos anos, a instituição passou de uma situação de aparente abundância para um quadro de aperto financeiro e risco de rutura de tesouraria. Fica um guião com dez respostas sobre a próxima comissão parlamentar de inquérito (CPI) — a segunda desta legislatura — que toma posse esta quarta-feira.

O facto que está diretamente na origem deste inquérito é a estratégia de internacionalização da Santa Casa, que foi aprovada quando Ana Mendes Godinho era ministra do Trabalho e da Segurança Social e desenvolvida a partir de 2020 pela mesa liderada pelo provedor Edmundo Martinho. Foi essa mesa que deu os passos decisivos com a criação da Santa Casa Global.

A expansão internacional devia apontar aos países africanos de língua portuguesa (tirando partido da marca e reputação da SCML), mas acabou por apostar em força noutros destinos (ainda que de língua portuguesa) e o grande investimento feito no Brasil trouxe maus resultados e muitas dúvidas. A acumulação de perdas e problemas operacionais que travaram os projetos previstos e consumiram fundos da Santa Casa sem aparente racionalidade ou retorno, sobretudo no Brasil, onde se admitem perdas de 50 milhões de euros, são a causa imediata desta iniciativa.

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O racional por trás da estratégia de internacionalização da Santa Casa, validada por dois ministros — Vieira da Silva e Ana Mendes Godinho — era a promoção de fontes de receitas que permitissem compensar a esperada quebra nos jogos sociais, consequência da luz verde ao jogo online dada em 2015.

A pandemia e o confinamento aceleraram a perda prevista de receitas na Santa Casa e comprometeram o arranque de alguns dos projetos internacionais. Mas o que se sabe da forma como esses projetos foram geridos levanta muitas dúvidas. Por um lado, não foram pedidas as autorizações exigidas por Ana Mendes Godinho quando aprovou a estratégia para cada investimento feito. O dinheiro começou a sair da Santa Casa para o Brasil sem grande controlo interno ou externo, nem garantias de retorno. A auditoria forense pedida pela gestão da provedora Ana Jorge aponta a para a existência de vários processos irregulares e serviu de fundamento para afastar os dois principais gestores da área internacional que, por sua vez, contestam estas conclusões.

As propostas para a constituição da comissão vieram do Chega, da Iniciativa Liberal (IL) e do Bloco de Esquerda, embora o âmbito e objeto não fossem idênticos. Presidida pelo deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro, terá sete deputados do PSD e do PS, quatro do Chega e dois da IL. Tanto o Bloco como PCP, Livre, CDS e PAN terão, cada um, um deputado. A primeira vice-presidência da Comissão caberá ao Chega e a segunda ao PSD.

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Chama-se “comissão parlamentar de inquérito à gestão estratégica e financeira e à tutela política da SCML“. Segundo o despacho que a cria, vai abranger as “decisões de gestão estratégica e financeira” da SCML, incluindo associadas ou subsidiárias, “que possam ter contribuído para o desequilíbrio financeiro” da instituição.

A CPI vai também procurar “avaliar e esclarecer” as decisões das várias mesas em funções, dos provedores e membros das administrações das empresas subsidiárias, focando-se na diversificação das fontes de financiamento, avaliação do risco, apoio jurídico e financeiro aos negócios efetuados, incluindo no que toca à internacionalização, novas áreas de negócio no âmbito do jogo ou compra de novos equipamentos, e “apurar responsabilidades políticas, contratuais, legais e financeiras” relativas à atual situação da SCML.

Os deputados querem recuar a 2011, o que representa um longo período temporal de 13 anos que abrange quatro provedores — Pedro Santana Lopes (entre 2011 e 2016), Edmundo Martinho (entre 2017 e 2023), Ana Jorge (entre 2023/2024) e o atual provedor, Paulo Sousa. Mas a comissão de inquérito também vai avaliar o papel da tutela, o que passa por avaliar a “definição das orientações gerais de gestão e de fiscalização” da SCML por parte da tutela entre 2011 e 2024 e clarificar a intervenção dos governos desde 2011, no que respeita às autorizações de investimentos, partilha de informação e controlo jurídico e financeiro.

Estão em causa as atuações de cinco governos — um de Pedro Passos Coelho (2011-2015), três de António Costa (final de 2015 a 2023) e o atual de Luís Montenegro. Em foco vai estar, sobretudo, o acompanhamento da tutela, que é o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, mas o ministério das Finanças também poderá ser invocado na medida em que lhe compete nomear o presidente do conselho de auditoria da Santa Casa.

Provavelmente porque é a partir dessa data que começou a sentir-se o impacto financeiro da transferência de vários equipamentos de apoio social (creches e lares) do Estado para a gestão da Santa Casa, o que resultou num aumento de funcionários de chefias e de despesa. Foi também o primeiro ano do mandato e meio feito por Pedro Santana Lopes.

A forma como Ana Jorge procurou travar a fundo os negócios internacionais e a decisão do novo Governo de demitir a provedora nomeada pelo anterior Executivo, com críticas duras à gestão feita da crise da Santa Casa, também pesam nesta comissão de inquérito.

Não é claro qual tem sido o processo de “desinvestimento” adotado pela atual tutela nem quais as consequências, tendo em conta as quebras contratuais e eventuais indemnizações em curso. A expansão internacional e a gestão interna e política deste dossiê levaram os partidos a chamar vários responsáveis, atuais e antigos, ao Parlamento no início do atual mandato, com testemunhos que se contradizem, o que influenciou igualmente as propostas de comissão de inquérito.





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