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Elon Musk é uma ameaça à democracia brasileira

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Set 19, 2024

Já faz algum tempo que o bilionário sul-africano dono da X, Elon Musk, vem travando uma guerra contra um juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, supostamente para defender o direito do povo brasileiro à “liberdade de expressão” na popular plataforma de mídia social.

Até agora, no entanto, a atual rixa de Musk com o juiz não conseguiu nada no sentido de promover a liberdade de expressão do povo brasileiro. Em vez disso, destacou a hipocrisia do discurso absolutista de Musk sobre a liberdade de expressão e expôs a ameaça imediata que líderes de tecnologia como ele, que se veem acima da lei e da vontade das nações, representam para a democracia.

A disputa entre o autodeclarado “absolutista da liberdade de expressão” e o juiz brasileiro começou em janeiro de 2023, depois que apoiadores de extrema direita do ex-presidente Jair Bolsonaro, estimulados por falsas alegações de fraude eleitoral espalhadas nas redes sociais, invadiram o Congresso Nacional e tentaram derrubar violentamente o presidente de esquerda democraticamente eleito, Lula da Silva.

Moraes, que estava encarregado de diversas investigações contra Bolsonaro, bem como seus associados próximos e apoiadores, rapidamente emitiu ordens para que X restringisse ou removesse completamente as contas que ajudaram a alimentar esse ataque chocante à democracia brasileira.

Os pedidos de Moraes eram legais e estavam de acordo com suas responsabilidades sob a constituição brasileira, mas Musk os enquadrou como ataques à liberdade de expressão e à democracia por um juiz ideologicamente motivado, empoderado pelo governo de esquerda de Lula. Apesar de aderir a pedidos semelhantes de governos autoritários de direita, como o da Índia, sem muito protesto no passado, Musk se colocou em rota de colisão com o judiciário no Brasil, demonstrando seu comprometimento não com a liberdade de expressão, mas com a proteção dos interesses da extrema direita global — um grupo ao qual ele se tornou fortemente ligado nos últimos anos.

Em 3 de abril, o jornalista americano Michael Shellenberger publicou um conjunto de comunicações entre vários representantes do judiciário e funcionários da X Brazil. Rotuladas como “arquivos do Twitter – Brasil”, as comunicações publicadas revelaram pouco mais do que os esforços do judiciário para remover conteúdo e indivíduos prejudiciais da plataforma. Até mesmo uma solicitação de dados do judiciário do estado de São Paulo relacionada a uma investigação de crime organizado foi incluída no arquivo e foi inexplicavelmente enquadrada pelos apoiadores de Musk como um exemplo dos ataques do judiciário à liberdade de expressão – e à democracia – no país.

Meses depois, o próprio Musk, por meio da conta Global Government Affairs do X, compartilhou comunicações confidenciais do Juiz Morais, nas quais ele solicitava a suspensão de contas selecionadas. Mais uma vez, no entanto, as tentativas de Musk de constranger o sistema de justiça brasileiro fracassaram, pois o documento não revelou nenhuma irregularidade, sob a lei brasileira, por parte do judiciário.

Após as publicações, Musk continuou a atacar publicamente o Juiz Moraes, rotulando-o de “ditador” e até mesmo de “Darth Vader brasileiro” em postagens públicas no X. “Este juiz traiu descarada e repetidamente a constituição e o povo do Brasil. Ele deveria renunciar ou sofrer impeachment”, Musk tuitou. Suas provocações atingiram o pico em 17 de agosto, quando ele anunciou que fecharia o escritório da X no Brasil — resultando em demissões em massa — para “proteger” seus funcionários do Juiz Moraes. Ele também se recusou a designar um advogado para a X no Brasil, deixando a empresa em flagrante violação das leis locais.

Em resposta, o ministro Moraes determinou em 31 de agosto a “suspensão imediata, completa e total das operações da X” no país “até que todas as ordens judiciais … sejam cumpridas, as multas sejam devidamente pagas e um novo representante legal para a empresa seja nomeado”.

Desde então, cerca de 40 milhões de brasileiros que usam a plataforma não conseguem acessar suas contas legalmente.

Embora o ataque de Musk a um juiz por fazer seu trabalho seja inaceitável e a proibição de X seja, sem dúvida, um inconveniente para o povo do Brasil, a questão em questão é muito mais do que o acesso de uma nação a uma plataforma de mídia social específica ou uma rixa pessoal entre um juiz e um magnata da tecnologia. O que estamos lidando aqui é o exemplo mais recente e talvez mais flagrante de uma empresa multinacional — neste caso específico, controlada por alguém que flerta abertamente com a extrema direita — tentando afirmar o domínio sobre o governo democraticamente eleito e as leis de uma nação sob o pretexto de defender a liberdade e a democracia.

A recusa pública de Musk em cumprir a lei brasileira, sua exigência de que um juiz da Suprema Corte renuncie ao seu cargo por emitir ordens que ele não aprova e sua sugestão de que deveria ser ele, e não os juízes da mais alta corte do país, quem deveria interpretar a lei brasileira e traçar os limites da liberdade de expressão no país demonstram o perigo que os “irmãos da tecnologia” bilionários que controlam as tecnologias de comunicação podem representar para a democracia.

Isso não quer dizer que o Juiz Moraes, ou, nesse caso, o Supremo Tribunal em geral, esteja acima de críticas. Já há uma discussão acalorada no Brasil sobre a proporcionalidade das ações do juiz e se algumas de suas demandas de plataformas de mídia social (especialmente para a remoção de contas que não parecem representar um perigo imediato para ninguém ou atualmente cometendo um delito) equivalem a “censura prévia”. A discussão pública sobre as ações de alto perfil do judiciário é natural, saudável e muito necessária em uma democracia.

Há, no entanto, uma grande diferença entre a crítica à conduta de um juiz da Suprema Corte, vinda de dentro da nação que ele serve, e uma extensa campanha de um bilionário estrangeiro — executada em coordenação com ativistas e políticos de extrema direita — visando desacreditar suas investigações sobre uma tentativa de golpe e outros ataques à democracia brasileira. A primeira é um componente importante da democracia, a última uma tentativa flagrante de miná-la.

A coordenação entre Musk e os atores de extrema direita brasileiros na ponta receptora das investigações de Moraes não é segredo. Em 7 de abril, o deputado “libertário” Gilson Marques entrou com uma conta para prender juízes que suspendem postagens e perfis de contas em redes sociais por opiniões políticas. Mais tarde naquele mês, apoiadores de Bolsonaro saudaram Musk como o novo herói de seu movimento de extrema direita em uma manifestação no Rio de Janeiro com a presença de dezenas de milhares. O próprio Bolsonaro discursou para a multidão e prestou homenagem a Musk, elogiando-o como um homem “que realmente se importa com a liberdade de todos nós”.

Os apoiadores de Bolsonaro estão tentando se pintar como vítimas de perseguição política esquerdista, e Musk como seu potencial salvador. A verdade, claro, é que a base de Bolsonaro não tem nenhum cuidado ou respeito pela democracia – como deixou claro com sua tentativa de golpe em janeiro passado – e agora está encorajando um bilionário estrangeiro a atacar as leis e instituições de seu país para salvar seu líder e movimento de finalmente enfrentar a responsabilização.

Na quarta-feira, Musk tentou contornar a proibição do X no Brasil com uma atualização em sua rede de comunicações que permitiu que alguns usuários no país acessassem a plataforma sem uma VPN, mostrando mais uma vez que ele não tem respeito pela lei brasileira. Só o tempo dirá como o Supremo Tribunal responderá a essa última escalada e se o X de Musk ainda tem futuro no Brasil como uma plataforma convencional. Uma coisa que sabemos, no entanto, é que o que estamos testemunhando no Brasil hoje não é apenas uma disputa entre um bilionário libertário e um juiz progressista zeloso sobre os limites da liberdade de expressão. É uma tentativa flagrante de um magnata da tecnologia com laços de extrema direita de afirmar domínio sobre o judiciário independente de um estado democrático soberano. O que estamos testemunhando é um ataque à democracia brasileira e deve ser tratado como tal.

As opiniões expressas neste artigo são do autor e não refletem necessariamente a posição editorial da Al Jazeera.



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