• Dom. Set 22nd, 2024

António Soares e a ilustração de moda. “Gosto da pica que o desenho dá, de ter o papel na minha mão, de sujar a folha” – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Set 22, 2024


Entre indústria, design, que evolução vem notando ao longo dos anos? 
Vejo a Moda como um produto mais de nicho, porque é um produto com qualidade. Claro que hoje há marcas menos conhecidas que se conseguem desenvolver. O calçado está em alta, temos muita produção em Portugal. Sobre o design de Moda… os anos em que dei aulas no CITEX, a maior parte dos meus miúdos acabaram todos por estagiar no design, os que queriam, mas os que estagiaram na indústria ficaram na indústria.

Mais pragmáticos no rumo a seguir?
É, a Marta e o Paulo [dos Marques’Almeida], que foram meus alunos, tiveram muita sorte mas eram brilhantes. Adorei aqueles meninos. A Marta foi estagiar para a Alexandra [Moura], o Paulo com o [Luís] Buchinho, e depois seguiram para Londres. Queriam estudar lá e trabalharam muito. Aliás, o CITEX preparava mesmo isso. Aquele slogan de uma professora, “neste mundo não há espaço para medriocridades”, acho que o levavam a sério. Era uma turma incrível, essa. Há outros que tentam trabalhar marcas mas é impossível financeiramente. Percebo.

Falamos de um nicho no design de Moda, mas o António não sentiu crise, dizia.
Na ilustração não, não senti. Eu consegui, não sei porquê, mas consegui. Não é todos os dias que tenho trabalho mas fui sempre conseguindo. Tenho clientes fixos e outros que foram aparecendo. Eu também diversifiquei a minha área de ilustração, a moda começou a absorver-me tanto que houve também um cansaço da minha parte. Voltei-me para joalharia, cosmética, até vinho. Acho isso fantástico. Sentir que o ilustrador é procurado não apenas para uma coisa. Gosto dessa parte versátil do meu trabalho.

Uma campanha para a Gucci

Falamos de editorial, projetos para marcas. Recorda-se da primeira proposta?
Lembro-me perfeitamente assim da primeira, grande, que me assustou. Foi para a Joyce, para Macau, eu nem sabia o que era a Joyce [o gigante da moda multimarca focado nos criadores de vanguarda]. Lá investiguei e claro que me assustei. Ainda por cima fiquei a saber quem era o ilustrador anteri0r que tinha trabalhado com eles, fiquei ainda pior que urso.

Quem era?
O Ignasi Monrial, espanhol, que fez aquela campanha digital lindíssima para a Gucci, há uns quatro ou cinco anos. Correu bem. Foi no começo dos anos 2000. Levei uma bofetada também.

Nesse trabalho?
Eles tinham completa razão. O meu trabalho é muito de autor, e eu respeitava muito o retrato, era muito importante a personagem que eu vestia. Só que com o meu desenho as pessoas olhavam mais depressa para a cara do que para a roupa. E claro que não pode acontecer isso porque eles têm que vender a roupa. Chamaram-me a atenção porque os meus rostos eram de facto muito fortes, valorizava muito isso, gostava dessa hierarquia um bocado imatura. Com o Karl Lagerfeld foi um bocado a mesma coisa, mas aí já fui mais profissional. Estas grandes propostas a nível de processo intelectual fizeram mudar muito o meu registo.

Trabalho para Karl Lagerfeld

Quando se dá essa ponte com o Karl Lagerfeld? Contactam-no?
Sim, sempre foi online. O Lagerfeld foi depois da Fendi, desenvolvi um trabalho muito grande com eles e o Karl veio depois. Sei que foi no inverno e entrararam em contacto. Eu na altura não era agenciado. Era para fazer ilustrações para o lookbook. Na altura enviaram-me desenhos dele e pensei que não tinha nada a ver com o meu registo. As vezes há clientes que me pedem registos com os quais não me identifico e tenho que explicar de forma politicamente correta que não o faço. Mas ali quando recebi o briefing falei com uma estagiária que trabalhava lá, a Joana, que tinha sido minha aluna, e que agilizou muito o processo. Foi assim. E são coisas para entregar em dias, algo a que não estava habituado.

O seu desenho gosta desse stress?
Gosto da pica que dá, sim, isso é bom. A moda é isso, é um bastidor de uma hora para um desfile que dura cinco minutos. Há uma adrenalina muito engraçada, ótima.

Continua a gostar de desfiles?
Gosto, já não vou a tantos como gostaria. Se me convidarem faço por ir.

Falávamos de nicho. Há espaço para resistirem os formatos mais físicos e analógicos?
Acho que há espaço para tudo. É tão democrática. Aquela ideia de que o digital é muito simples também não é verdade. Eu não enjeito o digital mas gosto de ter o papel na minha mão, de sujar a folha.





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