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é em San Sebastián que começa a conquista de Laura Carreira e Joana Santos? – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Set 25, 2024

Num dos primeiros locais onde a realizadora Laura Carreira trabalhou, pediam-lhe que nunca tivesse tempos mortos. Passou horas a regar as plantas do café, um movimento contínuo que justificava a razão da sua existência e desculpava os baixos salários. Um gesto banal que escondia a melhor definição do cinema que está agora a construir: a monotonia robótica da precariedade, que nos deixa sozinhos, estranhos perante o outro, uma inércia só sacudida pela falsa pertença ao mundo tecnológico enfiado num telemóvel. Mudou-se para a Escócia aos 18 anos, depois da mãe, desempregada, ter decidido emigrar. Estudou na Escola António Arroio, em Lisboa, apesar de ser do Porto, tendo-se licenciado em Realização de Cinema na Universidade de Edimburgo. Com amigos e pouco dinheiro, fez uma primeira curta-metragem, Red Hill (2018), com uma boa marca internacional; seguiu-se outra, The Shift, estreada no Festival de Veneza.

As marcas da solidão no trabalho tornaram-se protagonistas na história que queria contar, mas nunca à procura da compaixão ou de uma mensagem política. O som, os detalhes e os estilhaços é que interessavam. Aurora, personagem principal de On Falling, primeira longa-metragem da cineasta portuguesa — que está a competir pela Concha de Ouro no 72.º Festival de San Sebastián — também repete o gesto automatizado. A atriz Joana Santos dá corpo e alma a uma picker emigrante portuguesa, que trabalha num armazém, agarrada a uma máquina que confirma uma variada gama de produtos enviados para os clientes. O bip que se houve da máquina que vive colada à sua mão é o compasso da vida de Aurora, incapaz de criar laços, amorosos ou de amizade. Sobrevive no limbo da precariedade. O rumo que foi obrigada a escolher tem um custo. Fora do trabalho, lava a roupa, cruza-se com outros imigrantes em transição no prédio onde vive. Não tem dinheiro, mas é incapaz de o admitir. Não pede ajuda. Prefere passar fome a largar o pequeno ecrã. O nó na garganta que sente não a deixa ir mais além na sua rotina.

Eis a história deste filme contada por quem o fez: sobre como conseguiram chegar à Sixteen Films do conceituado realizador britânico Ken Loach; como foi garantir o financiamento e trabalhar, primeiro, com uma produtora portuguesa, a Bro Cinema de Mário Patrocínio; e como, depois de o ter estreado no Festival de Toronto, a entourage nacional está a conquistar a crítica na Europa.

[trailer do filme “On Falling”, de Laura Carreira:]

“Esse regar das plantas no meu primeiro trabalho acontecia por causa da irracionalidade das dinâmicas. Não podia estar parada. Senti essa pressão. No final do dia, recebia um salário que mal dava para me aguentar. Quando comecei a fazer filmes de forma mais séria, percebi que o trabalho e o mundo laboral não eram bem retratados. Na exploração laboral, não há laços familiares a que nos possamos agarrar. Quis captar esse sentimento”, contou-nos Laura Carreira em San Sebastián. Tal como On Falling, também a realizadora é contida. A exatidão e a certeza com que fala sobre a visão que tem do mundo contrasta com o facto de ser uma estreante nestas andanças. A maturidade aos 30 anos, que se revela desde as primeiras frases, não é de estranhar. Tal como Aurora, também Laura Carreira foi-se agarrando aos colegas, imigrantes económicos dos mais variados países, para “encontrar um lugar”. “Este filme é uma combinação do que me aconteceu e do que eu vi acontecer. Não queria ter essa visão egoísta de olhar só para mim. Queria, sobretudo, olhar para um sistema que não nos permite tomar conta uns dos outros. apsar disso, no final do dia, temos de estar lá uns para os outros. Era importante não retirar essa esperança”, diz.

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Aurora fala pouco português. Só quando está no carro com a colega, que sonha em ter um trabalho de secretária em Portugal. O pesadelo de uns é o sonho de tantos outros. On Falling não é, por isso, um filme sobre a emigração portuguesa, como tem sido tradição em tantos outros títulos nacionais, falando só dos mais recentes, como Listen (2020), de Ana Rocha de Sousa, ou Great Yarmouth — Provisional Figures (2022) de Marco Martins. A mensagem é mais universal. Nos dias em que esteve em Toronto, Laura Carreira foi surpreendida por uma audiência que nunca tocou nesse assunto. A precariedade é uma realidade que atravessa fronteiras, barreiras linguísticas ou a cultura de um país. “Não senti que tinha de contar uma história dessa perspetiva portuguesa. Não precisamos de ser emigrantes para perceber o filme”.





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