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“O nacionalismo linguístico sobressalta-me. Isso e a ignorância das pessoas” – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 6, 2024


Estava a meio da pesquisa intensa para escrever uma biografia quando lhe caiu no colo a ideia para um romance. Mestre dos Batuques (publicado pela Quetzal) materializou-se na cabeça de José Eduardo Agualusa em cinco minutos, coisa que nunca tinha acontecido ao premiado escritor.

Esta é a história de amor entre Jan e Lucrécia, mas também uma versão do colonialismo muito pouco conhecida. No Bailundo (Planalto Central), longe da ocupação portuguesa em Luanda, Angola, a realidade não foi a mesma. Na sua nova obra, o autor de O Livro dos Camaleões e Teoria Geral do Esquecimento junta na mesma viagem temas de pertença, nação, raça e cultura.

É da minúscula e idílica Ilha de Moçambique, onde vive agora, que nos fala de uma Angola com memórias e história diferentes, da importância de reescrever o período do colonialismo, das restituições às ex-colónias e da atualidade política em Moçambique, que vai agora a votos, e em Angola, a que está sempre atento.

Tão atento que é legítimo perguntar se não se imaginaria a ter um cargo político. “Seria a pior coisa que me podia acontecer”, garante. Detesta reuniões e gravatas — aliás, só usou o adereço uma vez na vida e foi emprestado para tirar uma foto para o bilhete de identidade.

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O nacionalismo linguístico é algo que não compreende e, aos 63 anos, confessa continuar atormentado pelos mesmos temas que lhe tiravam o sono aos 20, como as alterações climáticas e os conflitos armados. Da militância nas ruas pelo clima à política, passando pelo processo de escrita de um novo livro, foi assim a conversa com José Eduardo Agualusa.

A capa de Mestre dos Batuques, o novo romance de José Eduardo Agualusa (Quetzal)

Mestre dos Batuques passa-se no Planalto Central, mais precisamente no Bailundo. Nessa zona de Angola o colonialismo não foi tão marcante?
Ali a realidade foi muito diferente de Luanda, onde se fala de uma ocupação de 500 anos. Ali foram sete décadas, é muito diferente. O nacionalismo angolano no Planalto Central foi muito marcado pelas missões protestantes. Essas missões incentivaram a reação contra o domínio colonial português. Os portugueses sabiam disso, viviam numa situação sempre de incomodidade, vamos dizer assim. Essas missões — ou parte delas — eram americanas e o governo português tinha dificuldade em lidar com elas. As autoridades portuguesas sabiam que os missionários estavam envolvidos na génese do movimento nacionalista. Por outro lado, Portugal tinha de manter boas relações com os EUA. A duplicidade foi sempre uma constante até à independência.

É uma história de amor, mas também de autodescoberta e de pertença. Esta pertença é algo pessoal neste livro, uma vez que o José Eduardo Agualusa nasceu no Planalto Central. Isso teve algum peso?
Tem sobretudo a ver com um outro livro muito diferente, mas que me marcou há muitos, muitos anos. Quando era estudante de Agronomia, lembro-me de ter comprado uma edição portuguesa do Ada ou Ardor, do Vladimir Nabokov. Foi um dos primeiros que li dele, mesmo antes de ler o Lolita. No livro, ele faz uma coisa engraçadíssima que é colocar a ação num país que é a Rússia e os EUA. Formam um único país na visão de Nabokov. Porque o Nabokov tinha esse duplo pertencimento. Sentia-se ao mesmo tempo americano e era um russo-americano. O que fiz neste livro foi semelhante. Tenho este personagem [Jan Pinto] que nasceu no Bailundo, filho de um português e de uma mãe boér [colonos holandeses na África do Sul], e que depois tem uma história de amor com uma menina de Luanda. O que fiz foi algo semelhante ao inventar a possibilidade de um país no qual o Planalto Central acaba por se unificar com Angola, mas já após a independência.

Apesar de se passar durante o colonialismo, a história é contada por uma narradora atual. Como é que encontrou esta voz?
Normalmente tenho uma ideia muito vaga quando começo a escrever um romance. Às vezes é uma personagem, outras vezes é uma frase, mas sempre muito vago. Depois, as personagens é que me vão ajudando a construir o romance. Neste caso foi diferente. Eu tinha terminado o meu livro anterior, que é uma biografia do Abel Chivukuvuku, um homem do Planalto Central de Angola cuja família está diretamente ligada às famílias reais daquela região, em particular do Bailundo. Deu-me muito trabalho a escrever e, portanto, vivi muitos meses mergulhado na história do Bailundo. Tinha lido muitos livros, inclusive de visitantes portugueses e ingleses. Um dia, estava a fazer uma viagem entre Lisboa e Braga e a história caiu-me assim, quase completa, no colo. Talvez não tivesse ainda a narradora, mas em poucos minutos tinha a história. Mas é sempre difícil encontrar a voz que vai contar a história.

Neste caso, quem é a voz que conta a história?
É uma mulher que está no presente e que, de alguma forma, herda uma certa sabedoria ancestral. O livro também é um pouco sobre isso, porque aquilo a que chamamos magia são muitas vezes conhecimentos que não dominamos.





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