• Sáb. Out 12th, 2024

O que une Cristiano Ronaldo, Shakespeare e Muhammad Ali (e um pouco de “Boston Legal”)? – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 12, 2024

Durante anos, Portugal e o mundo desportivo viveram uma disputa semelhante para ver quem expressava mais desmesuradamente o amor pelo nosso pai salvador. Quem por motivos insondáveis preferisse Messi era considerado um antipatriota desnaturado, que num país a sério ou teria o seu passaporte apreendido, para não espalhar disparates mundo fora, ou seria forçado a fazer uso dele a caminho de um mais que justo exílio.

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Seja como for, por tudo isto e muito mais, Ronaldo convenceu-se da sua divindade e rodeou-se exclusivamente de quem lhe jurasse partilhar do credo cristiano, afastando de si todas as Cordelias que o afirmavam de carne e osso. A sua plenipotência e reinado seriam, tudo fazia crer, infinitos. O problema é que a infinitude dura, na melhor das hipóteses, um par de décadas e o corpo começou a trair Ronaldo, que, aos poucos, muito lentamente, deixou de ser o mais forte, deixou de ser o mais rápido, deixou até, pasme-se, de ser o mais letal, para se tornar apenas num jogador muito bom.

Ronaldo viu-se então numa encruzilhada: ou continuaria a acumular recordes futebolísticos e financeiros em ligas menores que lhe oferecessem menos dificuldades ou adaptaria o seu estilo de jogo e tornar-se-ia num dos muitos jogadores importantes de uma equipa de topo. O problema é que Ronaldo não teria chegado aonde chegou se acreditasse que haveria humanos superiores a si. E, ao ter afastado do reino todas as Cordelias que na peça de Shakespeare acaba a amparar a velhice solitária do seu pai, Ronaldo tinha agora junto de si apenas Gonerills e Regans a assegurar-lhe que o seu reino não era deste mundo e que os seus talentos permaneciam intactos até ao fim dos tempos, pelo que decidiu optar pela primeira hipótese, convencendo-se de que a sua presença numa liga menor bastaria para que esta ascendesse ao Olimpo. Não resultou, os seus dotes iam diminuindo com o tempo e as Gonerills e as Regans de que se rodeou deixaram de o amar assim tanto e foram, uma a uma, embora, uma vez que esse amor, tornado ridículo pela devastadora e cruel ação do tempo e pelos penalties falhados em fases finais de competições de seleções, já nada lhes podia dar em troca.





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