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Médicos de família aposentados regressam ao trabalho. Quatro histórias de quem encara a profissão como “uma missão” – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 13, 2024

O médico trabalha dez horas por semana naquela USF, um dia por semana. “Fui convidado pela coordenadora para fazer consultas de Medicina Geral e Familiar, mas com uma particularidade: vejo aqueles que designamos como utentes complexos (utentes que, pela sua patologia e condição, levantam maiores desafios e exigem mais tempo e investimento), aproveitando alguma experiência que acumulei”, revela, sendo a maior parte destes doentes idosos.

É um trabalho a tempo parcial, que permite a Armando Brito e Sá conciliar a atividade clínica com o usufruto do tempo da reforma. “A pressão do trabalho em full time é muito pesada e decidi que tinha capacidade, mas não ao ritmo em que trabalhava anteriormente. Isto dá-me a possibilidade de gozar a reforma (como qualquer cidadão) mas, por outro lado, continuar a contribuir para um projeto em que acredito: o SNS”, realça o médico, salientando que voltou ao serviço não apenas por considerar estar “no pleno uso das capacidades mentais e competências profissionais”, mas também pelos utentes — numa zona (Almada-Seixal) em que quase 20% dos utentes não têm médico de família atribuído. A USF Inovar, onde o especialista trabalha, é, aliás, a sucessora do projeto Via Verde Seixal, criado para dar resposta aos muitos milhares de doentes a descoberto nesta zona do país.

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Armando Brito e Sá trabalha outras 10 horas para o SNS. Para além da atividade clínica nos cuidados de saúde primários, exerce ainda funções, uma vez por semana, numa junta médica de avaliação de incapacidades, um processo que, diz, a pandemia veio emperrar, gerando grandes atrasos. “Ficaram milhares de pessoas com processos em suspenso e os médicos de saúde pública não conseguem fazer todo o trabalho. Então foi pedida ajuda aos médicos de família e há vários médicos aposentados que têm trabalhado neste âmbito”, diz, lamentando que existam pessoas à espera de vaga numa junta médica há dois ou três anos.

O especialista aderiu ao regime que permite aos médicos aposentados voltarem a exercer funções nas instituições do SNS acumulando a pensão com 75% do salário em proporção das horas trabalhadas. No entanto, a componente financeira não foi, garante, a principal motivação para voltar ao trabalho — até porque Armando Brito e Sá considera que o modelo tem de ser melhorado. “O modelo até nem é simpático, porque corta 25% da remuneração, e isso não é bonito. Se o atual governo passar para os 100% terá mais gente a colaborar, estou convencido disso”, diz o médico. No final de julho, eram cerca de 400 os médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar aposentados que se encontravam a trabalhar no SNS, o número mais alto de sempre, e que representa um aumento de mais de 50% desde 2022, segundo dados enviados ao Observador pela Administração Central do Sistema de Saúde.

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A médica de família Cristina Simões não aderiu ao regime, mas faz parte destas contas, apesar de estar subcontratada através de uma empresa de prestação de serviços. Aos 66 anos, a aposentação ameaçava trazer-lhe um “vazio”, que foi, diz, parcialmente colmatado pelo regresso, ainda que em moldes diferentes, ao centro de saúde onde trabalhou durante quatro décadas, em Alhandra. “Reformei-me com 66 anos. Entretanto já estava a pensar: ‘E agora, vou para casa?’. O meu marido tinha falecido e a minha filha estava a trabalhar em Londres. Pensei: ‘O que vou fazer agora? Vou para o ginásio, leio, vou para o jardim, vou passar a vida no café?’ Comecei a imaginar um vazio”. Por isso, e ainda antes de se aposentar, em fevereiro do ano passado, a especialista e outras duas colegas da USF Alhandra começaram a planear o pós-reforma, sempre com a preocupação centrada nos utentes.

“Fomos falar com a diretora executiva do agrupamento e dissemos-lhe que iam ficar muitas pessoas, grávidas, crianças, por ver. Éramos oito médicos, começámos a trabalhar na mesma altura e viemos os oito embora, por aposentação”, sublinha a médica. Uma situação que levou mesmo a USF a perder todos os clínicos, deixando milhares de utentes sem resposta e passando a funcionar apenas com serviço de enfermagem.





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