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Governo “completamente exposto” à especialidade. Se OE for “desvirtuado”, Montenegro pode exigir eleições – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 17, 2024

O ex-ministro das Finanças, João Leão, explica ao Observador que o Governo tenta sempre acomodar no Orçamento as propostas de alteração aprovadas no Parlamento. Mas pode haver situações limite. Durante os governos minoritários socialistas — nos quais foi secretário de Estado do Orçamento e ministro das Finanças (após Mário Centeno ir para o Banco de Portugal, em meados de 2020) — João Leão foi confrontado com várias ‘coligações negativas’  — quando a oposição à direita e à esquerda do PS se juntavam para impor medidas contra a vontade do Governo.

Uma das mais famosas levou a uma ameaça pública de demissão de António Costa. Foi a aprovação da reposição integral das carreiras dos professores. Esta medida foi aprovada em 2019 fora do Orçamento do Estado e poderia ir contra a lei travão, mas o PSD, então liderado por Rui Rio, acabou por recuar.

Meses depois, o segundo governo minoritário liderado pelos socialistas, voltaria a enfrentar uma coligação negativa que queria impor a descida do IVA da eletricidade e do gás natural para 6% em 2020. Esta medida, diz João Leão, era de tal forma impactante — os números trazidos à luta parlamentar pelo Governo apontavam para uma perda de 800 milhões de euros anuais — e a “perceção que existia no Ministério das Finanças sobre a sua aprovação era de tal modo grave” que se considerou que poderia por em causa todo o Orçamento.

“Não era só por causa do impacto financeiro, mas também pela perda de autoridade do Governo que ficaria posta em causa na sua capacidade de coordenar as decisões do país”. Seria sempre “uma decisão de “todo o Governo” e não apenas das Finanças, mas o cenário do PS votar contra o Orçamento do seu governo chegou a ser comentado. E até noticiado. A decisão limite não teve que ser tomada porque à 25ª quinta hora, os socialistas convenceram o PCP a tirar o tapete ao PSD de Rui Rio.

Na altura, recorda João Leão, a “situação financeira e orçamental do país era diferente” da atual. O primeiro excedente orçamental tinha sido conseguido apenas em 2019 (e voltou ao défice com a pandemia), a dívida pública era muito alta e o rating não tinha voltado ao nível pré-troika.

“Devemos sempre olhar com rigor para o impacto das medidas, mas a avaliação do Governo pode ser diferente porque a situação financeira é melhor agora”. Por outro lado, defende, “não é só o valor das medidas que deve pesar, mas também a ponderação sobre se essas alterações podem dar um “sinal claro de ingovernabilidade“.

“Um governo tem de ter capacidade de coordenar a governação”, diz. Se todo o planeamento financeiro para o ano for alterado por medidas casuísticas sem uma avaliação do impacto conjunto e do percurso, é o pior cenário. “Isso é perigoso porque estamos a entrar numa situação de descontrolo.”

Já no ano seguinte, em 2021 quando a proposta do Bloco de Esquerda para apagar a linha que aprovava a transferência para o Fundo de Resolução (e que tinha como destino a injeção no Novo Banco) foi aprovada, o cenário limite não esteve em cima da mesa. “Foi possível encontrar uma solução dentro do quadro orçamental” e que neste caso passou por um empréstimo dos bancos ao Fundo de Resolução.

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“A partir do momento em que a proposta de Orçamento do Estado entra na Assembleia da República, o Governo perde poder de iniciativa e já não pode alterar a proposta. Não pode interferir no processo”, explica Guilherme W. Oliveira Martins, antigo secretário de Estado das Infraestruturas no primeiro Governo de António Costa. O especialista em finanças públicas afirma que “o Governo tem de aceitar o resultado que vier do Parlamento porque durante estes 50 dias de discussão e votação quem tem o poder orçamental é a Assembleia da República. E é um poder ilimitado.”

“O Parlamento pode alterar a proposta do Governo na especialidade e não está sequer limitado pela ‘lei-travão’, sintetiza o constitucionalista Tiago Duarte, cuja tese de doutoramento (“A Lei Por Detrás do Orçamento”) é precisamente sobre o tema. No limite, se as alterações impostas pelo Parlamento fossem “tão intensas” ao ponto de descaracterizarem “totalmente a proposta do Governo”, seriam “inconstitucionais“, uma vez que “tornavam a reserva do Governo de apresentar a proposta do Orçamento numa mera formalidade”.

Mas esse é um cenário-limite que não está verdadeiramente na equação — não é razoável imaginar que os partidos consigam maiorias para aprovar algo tão dramaticamente diferente que seja uma flagrante violação da Constituição da República Portuguesa. “Seria sempre necessário uma desconstrução muito visível da proposta do governo para o Tribunal Constitucional intervir”, concede o mesmo Tiago Duarte.

Agora, num cenário bem mais razoável, Pedro Nuno Santos e André Ventura podem, por exemplo, fazer aprovar medidas que aumentem a despesa estrutural do Estado e/ou diminuem a receita comprometendo as contas do Governo ou, em alternativa, obrigando Montenegro a fazer escolhas que alterem a visão estratégica que tem para o país. E não há nada na lei que proteja o Governo do resultado final das votações.

Pedro Nuno Santos tem dito repetidamente que o PS não será irresponsável no processo da especialidade e que todas as alterações que propuser respeitarão a margem orçamental que o Governo diz ter — o tal excedente de 0,3% e 700 milhões de euros. Mas, uma vez apresentando medidas de alteração à proposta, o partido deixará de controlar o processo de votação e as medidas podem ser aprovadas por maiorias variáveis.

Aliás, na contraproposta que apresentou a Montenegro, o socialista trocou medidas que diminuíam receita (através da redução de impostos) por alternativas que implicavam aumento da despesa estrutural (mais investimento na Habitação, por exemplo). Mesmo que o PS respeite a margem que Joaquim Miranda Sarmento pretende manter (os tais 700 milhões de euros), nada garante que os socialistas não tentem forçar alterações substanciais ao rumo escolhido pelo Executivo — e o Chega será sempre uma incógnita.

“Do ponto de vista político, se o Governo não se revir na lei do orçamento (por as opções do governo terem sido alteradas na especialidade), o Governo poderá demitir-se. Naturalmente, nesse caso, fica com o ónus de ter sido ele a tomar a iniciativa de se defender”. No limite, as bancadas parlamentares do PSD e do CDS votariam contra a proposta de Orçamento do próprio Governo. “Seria algo nunca visto“, resume o mesmo Tiago Duarte.





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