No último ano, foram encontrados mais de 300 documentos que detalham o processo de separação dos Beatles, guardados na mesma gaveta desde os anos 70. Esta quinta-feira, a leiloeira britânica Dawsons vendeu-os por 11.000 euros, quase o dobro do valor mínimo de licitação.
Os documentos escritos à máquina são comprovativos jurídicos e contabilísticos dos tribunais e dos escritórios de advogados que representaram Paul McCartney, John Lennon, Ringo Starr e George Harrison no imbróglio legal que foi a separação da banda. Os papéis remontam ao processo de oficialização da decisão que foi tomada pelos Fab Four no início de 1970, mas apenas consumada em dezembro de 1974.
“Ao ler as minutas das reuniões — notas que incluíam discussões entre equipas legais e contabilistas — eu perguntava-me como é que se ia resolver tudo e, às vezes, eu conseguia sentir um ambiente tenso à medida que mais e mais questões complexas iam emergindo”, confessou Denise Kelly, uma representante da Dawsons.
Um momento que decisivo na separação foi a morte de Brian Epstein, o primeiro agente da banda, em 1967. Allen Klein viria a substituí-lo como empresário encarregue da gestão dos Beatles, mas Paul McCartney nunca terá estabelecido uma boa relação com o novo manager.
A contenda legal começou quando Paul McCartney decidiu processar os restantes membros da banda e a Apple Corps Limited, que editou todos os albuns dos Beatles. O objetivo era que Klein, que se encarregou da representação legal de Starr, Harrison e Lennon, não se pudesse apoderar dos direitos da música que os quatro tinham criado em conjunto. “Eu tive que lutar e a única maneira que eu tinha para lutar era processar os outros Beatles, porque eles estavam com Klein”, explicou McCartney à BBC.
A questão arrastou-se porque Klein alegava que tinha de resolver algumas questões financeiras, antes de poderem avançar com o processo legal de separação da banda. “Durante alguns meses tivemos que fingir”, lembra McCartney. “Foi estranho porque todos sabíamos que era o fim dos Beatles, mas não podíamos ir embora“.
“Seria impossível exagerar a complexidade dos diferentes acordos legais feitos entre os senhores Lennon, McCartney, Harrison e Starkey [ndr: Richard Starkey era o nome civil de Ringo Starr]”, lê-se numa das atas de uma das reuniões legais, citadas pelo El País. Na altura já era evidente o absurdo da situação: “Se os quatro Beatles não atuam nunca como grupo, não é impreciso afirmar que o propósito da sua associação já desapareceu por completo”.
Denise Kelly, a representante da leiloeira, conta como num dos documentos leu que “um dos advogados chegou a sugerir, durante uma reunião, na altura em que não conseguiam encontrar uma solução: ‘Não seria mais fácil se os Beatles se reformassem?’“.
“Passou-me pela cabeça que, se eu fosse guionista, estes documentos seria tudo o que precisaria para contar a história real do que levou a que uma das bandas com maior sucesso comercial da história se separasse, levando a que cada um seguisse o seu caminho”, concluiu.