Corria o ano de 1970 e o retrato da Saúde em Portugal era este: apenas 55% dos cidadãos dispunham de cobertura de saúde; os restantes pagavam do seu bolso a conta hospitalar, estando isentos, se demonstrassem a sua indigência; a ADSE cobria 2% dos portugueses e outros sistemas públicos e privados mais 2%.
Em maio de 1978, um sóbrio e discreto despacho de António Arnaut garantia o livre acesso a toda a população residente. Estava consolidada a única e verdadeira reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS) até aos dias de hoje.
A partir daí, o SNS transformou-se numa reforma intemporal e contínua e o papel do Estado mudou radicalmente, passando de comprador de serviços a prestador direto.
Na década de 90, estabelece-se, com sucesso, a primeira experiência de gestão empresarial hospitalar e é criada a primeira Unidade Local de Saúde (ULS), em Matosinhos. Em 2002, são criados os hospitais de sociedade anónima (SA) e as primeiras Unidades de Saúde Familiar (USF) e, em 2003, a independente Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Em 2005, surgem os primeiros hospitais Entidades Públicas Empresariais (EPE), destinados a melhorar a eficiência na gestão e na prestação de cuidados.
O percurso do SNS, em financiamento, despesa e investimento, não era indiferente ao comportamento dos ciclos económicos. Melhor economia significava maior desenvolvimento do SNS, tal como em tempos atuais.
Durante a pandemia, um curso normal foi interrompido e as decisões políticas tiveram de ser tomadas em cenários de enorme imprevisibilidade. O SNS evidenciou a vitalidade e resistência de que alguns vinham duvidando, protegendo os mais vulneráveis e salvando vidas. Se hoje teríamos feito diferente? Nalguns casos, sim. Mas, globalmente, soubemos responder a uma crise sem precedentes.
Quatro anos depois do início da pandemia e 45 após a criação do SNS, são claros os desafios que enfrentamos. Desde logo, ao nível dos recursos humanos, cuja escassez é uma realidade. Para atrair e reter talento, torna-se essencial valorizar os profissionais de saúde, promovendo um ambiente de trabalho favorável, equilibrado com a vida familiar, e apostando na sua formação e capacitação.
Outra questão fulcral é a adoção de uma gestão integrada de serviços, com coordenação entre unidades de saúde e níveis de cuidados, assegurando uma abordagem multidisciplinar. Isto sem esquecer a simplificação de processos, de forma a reduzir o peso da burocracia e a promover práticas baseadas em evidência para melhorar a eficácia dos serviços, assumindo a tecnologia e a digitalização grande importância.
Não menos relevante é o envelhecimento populacional. Esta é uma realidade que temos de priorizar. Uma população mais idosa necessita de cuidados de saúde especializados e de recursos específicos. Além disso, torna ainda mais premente o foco na prevenção da doença e na promoção da saúde. O investimento nestas áreas é urgente. Só assim conseguiremos reduzir a carga de doença crónica e os custos associados ao tratamento.
45 anos de SNS em Portugal beneficiaram de grandes consensos, de um compromisso político em prol e em defesa daquele que é considerado um dos pilares do sistema social do país e um exemplo de serviço público acessível a todos, independentemente da sua condição socioeconómica.
O futuro do SNS requer uma abordagem holística e colaborativa, sem nunca esquecermos o que lhe devemos.
Obrigado, SNS.