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Depois das noites dos outros, este é o fado de Diogo Clemente – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 30, 2024

Foi precisamente quando foi pai que tomou a decisão de viver menos de noite, de não viajar tanto. Deixou de frequentar diariamente as casas de fados, assumiu-se cada vez mais como produtor e compositor para outros. “A partir do momento em que fui pai, muitas coisas mudaram, porque acima de tudo quero viver a vida dos meus filhos, quero vê-los crescer, quero tê-los presentes comigo, é algo irrepetível. Tenho três filhos de seguida, eles vão crescer juntos e ainda bem porque assim vão estar grandes ao mesmo tempo e eu vou poder voltar [à vida das casas de fado], se me apetecer.”

Ainda hoje, conta, não é estranho chegar a uma casa de fados e espontaneamente dizer aos músicos que podem ir descansar para casa que ele assume aquele lugar como forma de catarse, como um devoto que não passa sem a sua missa, o seu credo.

“Não consigo entender como é que seria não ser do fado. É uma forma de vida. É como um filtro de fotografia, é o filtro com que se vê a vida. Faz parte da identidade, do carácter, tudo é traçado por aquilo. A análise às coisas, à beleza, a capacidade de ver beleza nas coisas. Ou de ver a tristeza e de nos apaixonar-mos por ela. Saber que, na tristeza, há uma dose brutal de prazer. Há um prazer lá dentro. E há um desprazer se a tristeza não existe em determinados momentos. As relações com a verdade e com a mentira, com a honestidade, com a vaidade, com o ego, a traição, as perspetivas perante o amor, perante a ausência, a importância da saudade… Todas as coisas são embrulhadas na arte das letras… Isto é o dia a dia, cantado e falado e escrito, entre os fadistas. Então as coisas tornam-se todas um modo de vida.”

Quando começou a juntar os cadernos recheados de poemas que tinha escrito ao longo da vida, redescobriu e deu novos significados aos versos. “Comecei a redescobrir coisas, a redescobrir-me, a ter perspetiva sobre mim, porque passaram os anos, passaram as relações tão próximas com o que estava escrito… E os cadernos vão ficando nos cantos onde têm de ficar, porque aquilo é escrito e é encostado. Eles tiveram de estar no canto deles e eu no meu. Tive que lhes ganhar distância. Já escrevi, está um bocado desafogado e vai para ali. E, nesse momento, quando reuni tudo, fiquei a pensar: tenho aqui um livro.”

Diogo Clemente olha para o processo como uma escultura. “Era uma pedra, tive de a esculpir, e para a esculpir fiz feridas, cortes, sujei-me todo. E acabei a estátua. Só que acabei a estátua e preciso de sair dali. Preciso de ir tratar das feridas, preciso de ir tomar banho, preciso de estar bem, para depois vir com um copo de champanhe, olhar para a estátua e dizer: OK, está feito e eu estou bem.”

Criado com os mais velhos e com um percurso iniciado desde tão tenra idade, o músico sente ter vivido bem mais do que os seus 39 anos poderiam indiciar. “Adoro os poemas e o livro, mas lamento imenso escrevê-lo antes dos 40 anos. Se o lesse, diria que aquela pessoa tinha 70 e escreveu um livro de uma vida inteira. E pensar que grande parte das coisas não foram escritas agora, foram escritas há muitos anos… Mas o fado tem isso, essa intensidade. As almas são livres para viver intensamente, sem complexo de o serem. O fado deu-me essa liberdade, destrancou-me as portas.”

Amo-te e Outras Coisas P’ra Te Dizer reúne poemas que abordam o amor de múltiplas formas e olhares. Baseado em momentos da sua vida em que precisou da poesia para purgar o que estava a experienciar, são “fotografias de estados e posições no amor”, quase tudo inspirado nas suas próprias vivências, muitas delas ligadas a Alfama, o bairro onde diz ter vivido mais intensamente, mesmo que lá nunca tenha morado.





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