“Os tempos máximos de resposta são cada vez mais ultrapassados, há cada vez mais dificuldades e as consultas mais prioritárias são aquelas que têm um maior número de doentes em que o tempo máximo garantido foi excedido. É um dado preocupante”, alerta o bastonário dos médicos, que critica a inação do Ministério da Saúde e da Direção Executiva do SNS. “O problema é que o Ministério da Saúde e a Direção Executiva do SNS olham para estes números de seis em seis meses e não acontece nada. Esta monitorização da ERS deveria servir para o poder político poder ter uma intervenção. A cada seis meses, percebemos que o acesso piora cada vez mais. É inadmissível termos conhecimento destes péssimos resultados e de um acesso difícil dos doentes ao SNS e nada ser feito”, diz Carlos Cortes.
Para o bastonário da Ordem dos Médicos, o ministério “tem de analisar estes dados e perceber onde estão os pontos de constrangimento”. “Temos de perceber por que razão há atrasos. É porque há falta de médicos, porque há uma má organização, é porque há obstáculos administrativos?”, questiona.
No que diz respeito ao número de doentes que aguarda resposta para lá dos tempos máximos, há grandes discrepâncias consoante a unidade hospitalar. Segundo o relatório da ERS, há várias Unidades Locais de Saúde onde menos de 30% dos doentes estão a aguardar consulta fora do tempo máximo. Localizam-se quase todas na região Norte e Centro: ULS de Entre Douro e Vouga (com sede em Santa Maria da Feira), a ULS de Castelo Branco, a ULS da Póvoa do Varzim/Vila do Conde ou o IPO de Coimbra. A exceção, a sul, é a ULS do Litoral Alentejano. Por outro lado, há outras unidades que têm mais de dois terços dos doentes a aguardar para lá do previsto por lei: a ULS do Médio Tejo (com sede em Tomar), a ULS do Tâmega e Sousa (com sede em Penafiel) e a ULS de Barcelos/Esposende.
Mais de 5 mil médicos já estão em dedicação plena. Mas adesão não está a aumentar produção dos hospitais
A presidente da Federação Nacional dos Médicos não tem dúvidas de que a carência de profissionais se reflete nos dados agora conhecidos. “O aumento do número de pessoas que espera depois dos tempos máximos de resposta garantidos reflete a falta de médicos no SNS, há uma carência gritante em várias áreas”, diz Joana Bordalo e Sá, acusando “os sucessivos governos” de nada fazerem para garantirem mais médicos. “A saída de profissionais pode também ajudar a explicar estes números”, sublinha, por seu lado, o presidente da APAH. Xavier Barreto defende que os dados agora divulgados pelo regulador da saúde confirmam os receios manifestados no verão pelos administradores hospitalares, que receavam que o regime de dedicação plena (ao qual já aderiram nove mil médicos) não significasse um aumento da atividade assistencial nos hospitais.
“Temos dois grandes grupos de médicos nos hospitais: os que não fazem urgência e que estavam em 40 horas, e, nesses, não houve ganho nenhum. E outro que faz urgência, e onde poderemos ter ganho pelo menos quatro horas, porque esses médicos tinham descanso compensatório e deixaram de ter. A questão é para onde vão essas horas? Marcámos mais consultas ou cirurgias ou dedicam as horas a outras atividades, como o internamento ou atividades administrativas?”, questiona o responsável, que defende que “devia ter havido uma definição clara de que as horas eram para fazer cirurgias e consultas, e sobretudo primeiras consultas, e isso não ficou definido”.
Aquilo que parece um paradoxo (a diminuição do número bruto de primeiras consultas no primeiro semestre deste ano e o aumento dos médicos em dedicação plena), não o é, diz o bastonário dos médicos. “Não é surpreendente, porque não houve um aumento das horas de trabalho dos médicos. Nem o SNS atraiu ainda médicos que saíram do SNS”, realça Carlos Cortes.
Mas como se pode garantir que os utentes tenham um melhor acesso às consultas de especialidade no SNS? Para os sindicatos, a solução passa por contratar mais médicos e pela alocação de menos horas aos serviços de urgência. “Se se aloca mais tempo às urgências, sobre menos tempo para as consultas. Nós propomos a redução do horário semanal de urgência de 18 para 12 horas, disponibilizando seis horas para consultas e cirurgias. E o Ministério tem recusado”, sublinha o presidente do Sindicato Independente dos Médicos, Nuno Rodrigues, que lembra que a estrutura sindical que lidera também já propôs “um programa SIGIC para as consultas“.
Uma das medidas que consta do programa de governo é a criação do chamado “voucher consulta de especialidade”, que já existe para as cirurgias. A intenção é garantir a emissão de um voucher sempre que o tempo máximo de espera seja ultrapassado, para que o utente possa ter resposta nos setores privado ou social. Uma medida que ainda não saiu do papel e que não agrada às estruturas sindicais.