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A frustração das sondagens – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 1, 2024

As eleições norte-americanas, que já estão a decorrer em muitos estados, terminam com o Election Day, na próxima terça-feira, dia em que milhões de americanos irão às urnas. O dia da eleição é um ritual fundamental e especial que importa valorizar e preservar. Apesar de reconhecer que o voto por correio e o voto presencial antecipado permitem aumentar significativamente a participação eleitoral, principalmente entre muitos eleitores que não têm disponibilidade para se deslocar aos locais de voto a uma terça-feira de trabalho, confesso que sou parcial ao ritual do dia da eleição.

O acto de ir votar – de nos deslocarmos, de esperarmos na fila, de encontrarmos outros cidadãos a fazer o mesmo, de observarmos voluntários a organizar tudo e de votarmos sozinhos nas urnas – incorpora em si mesmo uma série de valores democráticos que devemos preservar e experienciar. É esse o argumento de Emilee Chapman e com o qual tendo a concordar. É um momento que dramatiza o nosso papel individual e colectivo na democracia e um dos poucos momentos em que experimentamos a igualdade política. Durante todos os outros dias, as desigualdades sociais e económicas prevalecem e as desigualdades políticas – entre representados e representantes – tornam-se salientes. No dia das eleições, todos os cidadãos são, nem que seja por um instante apenas, iguais no seu poder.

O dia das eleições tem outra grande vantagem. É o único dia que nos pode dizer aquilo que nenhuma sondagem consegue. Como ficou bem visível ao longo dos últimos meses, o potencial informativo das sondagens tem os seus limites. Segundo uma contagem recente do Financial Times, mais de 900 sondagens já foram publicadas ao longo da campanha, entrevistando mais de 800 mil eleitores. Isto sem contar com as sondagens feitas nestes últimos 10 dias até ao dia da eleição. No entanto, os agregadores de sondagens mostram-nos muito pouco movimento. Ao longo das semanas, os sete swing states tiveram médias de sondagens muito estáveis e com margens de vitória de 1 ponto percentual para um ou outro candidato ou mesmo empates técnicos. Num universo eleitoral de dezenas de milhões de eleitores que residem nestes estados, os pequenos movimentos entre sondagens são muito pouco informativos. As margens de vitória de Donald Trump e Joe Biden em 2016 e 2020 em muitos destes estados estiveram entre os 0.1% e 0.9% dos votos. Assim, quando uma casa de sondagens selecciona uma amostra de 1000 ou 2000 eleitores para a sua sondagem, mesmo com métodos rigorosos, é muito difícil conseguir captar quem ganharia num estado dividido de forma tão salomónica.

A isso acresce a dificuldade de prever uma série de factores que têm impacto na eleição. Depois de obtermos os dados em bruto de uma amostra de 1000 ou 2000 eleitores, temos de considerar algo fundamental: quem vai de facto votar? Nos Estados Unidos, cerca de 35% a 40% dos eleitores elegíveis não vão votar em eleições presidenciais. Como podemos saber se os eleitores que responderam à nossa sondagem são representativos dos eleitores que vão de facto votar no dia das eleições? O grupo de pessoas que vai votar não é seleccionado de forma aleatória: varia consoante o hábito de ir votar, o interesse em política, o rendimento, o sexo, a raça e até a ideologia política. Como não sabemos quem vai votar na próxima terça-feira, as casas de sondagens têm de se basear em quem foi votar em 2016, 2020 ou 2022. Portanto, depois de obter os dados em bruto, têm de ajustar a amostra para esta ser representativa em termos demográficos e políticos dos grupos que foram votar no passado.

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O professor de ciência política Joshua Clinton ilustrou a importância destes ajustes. Neste artigo, Clinton mostra o impacto de fazer os vários ajustes depois de obter uma amostra de 1924 eleitores registados em Outubro deste ano. Nos dados “brutos” da amostra, Harris tinha uma margem de vitória de +6 pontos percentuais. No entanto, depois de realizar ajustes demográficos e/ou políticos (para que a amostra seja representativa do grupo de pessoas que vai votar que é diferente grupo de pessoas que respondeu àquela sondagem), esta margem pode encolher para apenas +0.9 ou esticar-se para +8 pontos percentuais.

Naturalmente, esta amostra não é representativa do eleitorado geral nacional nem dos swing states e é mais democrata que o eleitorado geral. Noutras sondagens, a amostra é mais republicana que o eleitorado geral. Dependendo do método de selecção de amostras de cada empresa, a amostra pode atrair mais democratas, mais independentes ou mais republicanos. A conclusão que importa reter é que – munidas exactamente dos mesmos dados – é possível uma empresa de sondagens apresentar resultados para um candidato com uma diferença de 8 pontos percentuais, realizando apenas ajustes razoáveis e de boa-fé, seguindo metodologias defensáveis.

Com esta amplitude, podem também ocorrer algumas perversidades. Por exemplo, este ano, a extrema semelhança entre sondagens, revela que provavelmente está a ocorrer o um fenómeno de herding. Este fenómeno acontece quando as casas de sondagens, para não arriscarem e com medo de errar, querem apresentar resultados semelhantes aos que as outras casas de sondagens também apresentam. Por exemplo, imaginemos que uma empresa faz uma sondagem e obtém Kamala Harris ou Donald Trump a ganhar por +8 pontos percentuais. No entanto, as outras empresas estão a apresentar margens de vitórias de 2 pontos percentuais. Para não “arriscar” demasiado, a empresa pode fazer os ajustes demográficos e políticos – perfeitamente defensáveis, como referi acima – e que as levam a uma margem de +3 ou +1 (relembrem a amplitude possível de 8 pontos percentuais do exemplo de cima).

Em 2016 e 2020, as sondagens erraram ao nível estadual ou nacional. Em particular, as sondagens subestimaram o apoio de Donald Trump. Este fenómeno não se deveu ao facto dos eleitores de Trump mentirem ou terem vergonha do seu voto, como a investigaçãodemonstrou, mas sim porque os eleitores que preferiam Donald Trump não participavam em sondagens, por preferência dos próprios ou por enviesamentos do método de selecção da amostra. Se as sondagens deste ano tiverem subestimado o apoio de Donald Trump na mesma proporção, então este terá uma vitória folgada, inclusive no voto popular. Mas, numa tentativa de corrigir este erro, a maioria das empresas de sondagens este ano está a fazer ajustes estatísticos e metodológicos para que a amostra seja mais parecida, do ponto de vista político, com o eleitorado que foi votar em 2020 e para não subestimar o número destes eleitores. Este ano, parece também que Donald Trump tende a ser favorito entre eleitores indecisos e entre eleitores pouco frequentes, pelo que as decisões finais deste grupo de eleitores também podem virar os pratos da balança numa direcção ou outra. Até à contagem dos votos, não saberemos se as empresas de sondagens conseguiram corrigir os erros ou se cometeram outro qualquer erro que, de momento, é impossível saber. Até lá, poucos conseguimos retirar das sondagens para além do aborrecido e insatisfatório empate técnico.

Os seres humanos, sejam crianças ou adultos, não gostam da espera nem da incerteza. Não gostamos de permanecer longos períodos num estádio de incerteza, como não gostamos de ficar meses à espera do resultado de um exame médico importante. E, enquanto esperamos na incerteza, gostamos de formular histórias que contamos a nós próprios sobre o que vemos no mundo à nossa volta. Quando um candidato sobe e outro desce nas sondagens, podemos construir histórias sobre o que causou tal subida e descida. Ao longo das semanas, colamos essas histórias umas às outras para tentar compreender a evolução da campanha e da política.

Por essas razões, não gostamos quando as sondagens nos dizem que está tudo na mesma ou que está tudo estatisticamente empatado. Ficamos sem histórias para contar sobre a campanha e sem movimentos para analisar em relação ao que se passava ontem. Aqueles que se interessam (por vezes demasiado) na política não conseguem compreender aqueles que para ela olham com indiferença ou menos interesse. Mas são os últimos que, muitas vezes, decidem eleições.

Há algo profundamente reconfortante em saber que nenhuma sondagem, nenhum agregador e nenhum algoritmo consegue substituir a contagem literal de milhões de votos individuais. E a incerteza eleitoral – o facto de ninguém conseguir adivinhar a priori o resultado eleitoral — faz parte também do carácter democrático, e não viciado, das eleições. Respeitar os resultados das eleições é, também por isso, absolutamente fundamental.





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