Alone, a música que inaugura o negro festim, é uma marcha fúnebre capaz de convocar toda a beleza do universo. A escrita de Smith está, como sempre esteve, muito para lá dos góticos desabafos em que a tentam encerrar e atinge aqui, em diálogo com um feito poético de um dos mais dotados decadents, Ernest Dowson, um absoluto grau de depuração romântica. Há uma série de despedidas feitas com o mais nítido dos apegos e uma lucidez glacial. Adeus pessoas, adeus sonhos e pássaros e palavras e casas e lamentos. “This is the end of every song that we sing”.
A segunda, And Nothing is Forever, que começa com um piano e uma orquestração primaveris e caminha para um trilho (também) feito de guitarra, bateria e baixo, é um contraponto ao primeiro tema. Um sonoro cortejo épico, que faz pensar nuns Sigur Rós, sobre uma sentença inelutável, completada por uma hipótese de consolo. Não é Pictures of You, mas também é um instante musical de uma comovente beleza maior. Tal como acontece no tema inaugural, é preciso esperar – no caso, 2 minutos e 48 segundos – para ouvir as palavras daquele que está diante do espelho: “Promise you’ll be with me in the end”. Mais uma vez, revela-se o lado romanesco de Smith. Com uma mensagem próxima da que deixou, em 1989, numa canção como The Same Deep Water As You: “The very last thing before I go/ (…) I will kiss you/ And we shall be together”. Uma maneira de dizer “isto vai tudo acabar mas estamos juntos”.
[uma conversa de quase duas horas com Robert Smith:]
A Fragile Thing, que foi o segundo single de avanço, entra na categoria “ouve-se bem”. Nem extraordinária nem ordinária, é competentemente dramática – no som e nas palavras. Também fala de beijos, choro e de um coração de peças partidas que já não se podem unir. Se o espírito fica meio adormecido com a temperatura mediana de A Fragile Thing, acorda com as guitarras furiosas de Warsong, canção que, nesse aspeto, oscila entre The Kiss e Fight, ambas do cardápio de Kiss Me Kiss Me Kiss Me, contando também, no salpico das cordas, com um certo perfume a Lullaby, do álbum seguinte. O verbo só aparece tarde, mas vem cheio de vontade de recordar a incapacidade dos homens – os tais também capazes dos melhores sonhos – em entender-se. Faz sentido o alinhamento de Warsong para Drone:NoDrone – que transmite todo o sentido de desconexão entre uma pessoa, o lugar e o tempo onde existe. As guitarras surgem como hienas a chiar entre um registo wah wah e um heavy metal à Iron Maiden.
A lamentosa I Can Never Say Goodbye anuncia-se com um trovão e um piano minimalista e abre-se a uma peregrinação rockeira feita a partir do sentimento da perda de um irmão – um irmão de quem não nos pudemos despedir. All I Ever Am é uma canção sobre ideais, memórias, perdas, claro está, e, novamente, solidão. Sobretudo solidão — já não no camarim mas no palco. Antecipa Endsong, a última travessia que tem a duração de uma eternidade para um álbum pop-rock. Dez minutos que não custam a passar, tal é a força do embalo da bateria, sobre a qual planam os outros instrumentos. O adulto sessentão que está em palco sabe que é gesto impossível o de regressar ao tempo em que era um rapaz com sonhos. Restam os desgostos e os desgostos tornam inabitável o chão que pisa. O que já se temia é verbalizado. Smith, debaixo de uma lua vermelha, declara: “I don’t belong here anymore”. É a perfeita tirada final. Ou não. Em entrevista destes dias, ficámos a saber que o grupo já está a trabalhar num novo álbum. O que sugere uma pergunta: quantas vezes se pode escrever uma carta de despedida?