Do ponto de vista político, o mais dramático nas declarações de Blasco é que demonstram um padrão que vai fazendo franzir alguns sobrolhos mesmo entre aqueles que a defendem: a incapacidade de ocupar o espaço mediático, que é também uma componente da afirmação de força e autoridade política de qualquer ministro.
Logo na primeira entrevista que concedeu, Blasco admitiu que uma das prioridades do Governo era afastar a “fruta podre” que existe nas forças de segurança, o que incendiou o setor. Mais tarde, chegou a concordar com a ideia do serviço militar para jovens delinquentes, alinhando com um também problemático Nuno Melo, até ser obrigada a recuar.
No verão, esteve largos dias em silêncio durante os incêndios que afetaram as regiões do Norte e Centro do país, sendo uma figura secundária na reação pública — o que demonstrou a sua falta de peso político e/ou a necessidade de a resguardar –, sendo que a coordenação política foi essencialmente assumida por Castro Almeida. Pelo caminho, ainda se viu envolvida numa inusitada polémica com uma autarca que dizia ter tentando contactar, sem sucesso, a ministra.
Esteve igualmente desaparecida em combate durante os desacatos que se seguiram à morte de Odair Moniz, em Lisboa, tendo demorado uma semana a emitir uma declaração pública sobre o que estava a acontecer. E ainda houve a reação à manifestação dos bombeiros junto ao Parlamento, em que disse que as autarquias eram os verdadeiros patrões dos sapadores — o que foi obviamente corrigido posteriormente pelos colegas de Governo, António Leitão Amaro e Manuel Castro Almeida, por exemplo.
Este último caso é mais um episódio infeliz, com a agravante de ter contribuído para alimentar as divergências entre os sindicatos das forças de segurança e o Governo. Ainda que esteja agora a existir um esforço concertado para defender a ministra na praça pública — Hugo Soares e António Leitão Amaro, líder parlamentar e ministro da Presidência, respetivamente, fizeram-no ao longo de segunda-feira –, as reações ao tropeção (mais um) de Margarida Blasco partiram não apenas da oposição, mas também da família social-democrata e por figuras do partido insuspeitas de terem intenções de fragilizar o atual Executivo.
Em entrevista ao Observador, José Pedro Aguiar-Branco, muito contido em considerações políticas pelo facto de ocupar o cargo de presidente da Assembleia da República, não deixou de comentar aberta e secamente as declarações de Margarida Blasco. “Se a ministra da Administração recuou, ainda bem. A greve da PSP, como dos militares, não deve ser possível”, cortou o social-democrata.
Também Miguel Macedo, com especial relevância de ter sido ministro da Administração Interna e de ser muito próximo de Luís Montenegro, aproveitou o espaço de comentário na CNN para dizer dizer que a ministra tinha sido, no mínimo, “equívoca”. “Não devemos arranjar problemas onde eles não existem”, aconselhou o antigo governante.
Na SIC, Luís Marques Mendes, conselheiro de Estado e putativo candidato presidencial com o apoio do PSD, falou em “infelicidade” e sugeriu que a ministra deveria “pensar, estudar, refletir antes de falar para não acontecerem coisas infelizes como estas”. Mais desalinhado, e mais mordaz, Miguel Relvas defendeu que Margarida Blasco é “uma ministra desadequada para a função”, que só “cria problemas” e que pode obrigar Luís Montenegro a agir mais rapidamente do que pensa. “O primeiro-ministro, de uma vez por todas, ou controla e silencia a ministra ou encontra outra solução que passa, naturalmente, pela substituição.”
Ora, as declarações de Margarida Blasco deram óbvias munições à oposição para atacar o Governo. “A ministra da Administração Interna, em poucos meses, já mostrou em diferentes alturas, em diferentes momentos, a sua inaptidão para as funções. A partir de determinada altura, o responsável já é o primeiro-ministro e neste momento para mim o responsável já é o primeiro-ministro, que mantém a senhora ministra”, atirou Pedro Nuno Santos.
“Não creio que tenha, até agora, acontecido nenhuma situação absolutamente grave que leva a que eu esteja aqui a pedir a demissão da senhora ministra, mas aconteceram já situações suficientes para que eu peça ao senhor primeiro-ministro que pondere bem se a atual ministra é a pessoa certa”, sugeriu igualmente Rui Rocha, da Inciativa Liberal.
André Ventura, que é favorável ao direito à greve na PSP e com quem Luís Montenegro travou precisamente essa discussão num debate para as eleições legislativas de 2024, aproveitou o erro de Blasco para atirar ao primeiro-ministro. “É curioso porque ou o nosso Governo não tem qualquer unidade política, em que cada um diz o que lhe passa pela cabeça, em completa contradição, ou é um Governo que se esquece do que disse, o que também pode ser o caso. O primeiro-ministro parece que não criou no seu Governo uma unidade política e ideológica”. Apesar da evidente pressão, é muito improvável que Montenegro faça o favor à oposição. Não para já, seguramente.