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E, ao 1.703.º dia, chegou o último mandamento de um treinador que ascendeu a Deus (a crónica do Sporting-Manchester City) – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 5, 2024

Todo o contexto mudou de forma radical, o significado da receção do Sporting ao Manchester City nem por isso. Sim, é certo que Rúben Amorim está a caminho do Manchester United, que passará a ser adversário de Pep Guardiola na Premier League e que faria a despedida de Alvalade frente aos adeptos leoninos, mas essa partida frente ao campeão inglês não deixa de ser aquilo que seria de qualquer forma: o exame final ao ciclo de mais de quatro anos e meio no comando da formação verde e branca. Já houve testes a meio de aferição, já houve provas surpresa que desafiaram a evolução da equipa enquanto um todo, agora chegaria o momento em que um projeto desportivo procurava juntar um “diploma” a tudo o que escreveu na história.

O Sporting que Amorim encontrou em março de 2020 não tem nada a ver com o Sporting que Amorim vai deixar em novembro de 2024. Ao longo desse trajeto, vários níveis de graduação foram alcançados: a criação de uma identidade de jogo e de um perfil tático que entroncassem nas ideias do treinador, a melhoria de toda a estrutura do futebol, o aumento da qualidade e da quantidade de recursos, o ultrapassar de barreiras que pareciam talhadas a serem entraves sem solução. Ganhar o Campeonato de 2021 foi um desafio. Regressar à Liga dos Campeões foi um desafio. Recolocar o Sporting como candidato a todos os títulos foi um desafio. Vencer o Campeonato de 2024 foi um desafio. Pelo meio, houve altos e baixos e a “correção” de um desses baixos, como foi a goleada frente ao City em 2022, funcionaria como expoente mais alto de um ciclo.

“Evoluímos desde aí, somos uma equipa completa, eles também são. São duas equipas que melhoraram, uma equipa que joga num campeonato com outra velocidade. Eles estão num estado de maturação diferente do nosso mas queremos fazer o nosso melhor. Em relação a esse jogo, sinto que sou melhor treinador agora mas tivemos dois plantéis. Está o Pote, o [Gonçalo] Inácio e o Nuno Santos do primeiro. Em cinco anos não foram os mesmos jogadores. Sinto-me melhor treinador mas o Guardiola também é melhor treinador. A distância mantém-se. Jogamos em campeonatos diferentes mas tenho melhores jogadores, estamos preparados para fazer um jogo mais completo. Será um bom encontro para olharmos para todas essas nuances”, comentara a esse propósito Rúben Amorim, treinador do Sporting que fazia a última partida em Alvalade.

“Há três semanas que não treinamos, não temos tido muito tempo. Queremos manter a mesma identidade quando tivermos a bola mas temos de nos adaptar um bocadinho, não tem muito a ver com coragem. Sei que a minha equipa tem 0% de hipóteses se for pressionar como fazemos na Liga portuguesa. Temos de nos adaptar defensivamente, com bola vamos jogar como sempre. Lesões do City e duas derrotas seguidas? As grandes equipas respondem de uma forma mais forte. Fala-se das lesões mas pode recuperar muita gente. Esperamos um jogo muito difícil, da melhor equipa do mundo, do melhor treinador do mundo. Estou stressado com o jogo porque tínhamos um plano, depois jogaram com o Bournemouth e mudou aquilo tudo… Aprendemos muito com os jogos mas uma coisa é ver pela TV e outra é jogar com eles”, acrescentou.

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Já sobre o inevitável tema do adeus a Alvalade, Rúben Amorim ia tentando relativizar sabendo que este seria tudo menos um jogo “normal” por todo o contexto envolvente. “Espero que se ganhe o jogo, vai ser especial mas mais no final. Até lá será tudo normal, o mesmo stress de sempre. Foram muitos jogos aqui, momentos muito marcantes, difíceis, mas será o meu último em Alvalade e será especial. Não tive tempo para sentir saudades, há tanta coisa para fazer… Não me lembro de nenhum treinador passar por isto mas vou ter saudades do país, dos meus jogadores, do clube, mas agora não temos tempo para sentir nada. Vou conseguir controlar as emoções. Importante é ganhar e se for com assobios no final, compro já. Ajudava-me a ir embora com outra alegria”, salientara a propósito desse adeus 1.703 dias depois da estreia frente ao Desp. Aves.

Melhor era quase impossível. Pela primeira parte não se pode dizer que tenha sido perfeito mas tudo aquilo que aconteceu mais não foi do que o último mandamento de um treinador que ascendeu a Deus ao longo de quatro anos e meio. A forma como o encontro decorreu desde início tinha tudo para correr mal mas toda a maturidade que a equipa do Sporting ganhou com o tempo fez com que tudo corresse ainda melhor do que se poderia pensar. Rúben Amorim despediu-se de Alvalade a vergar o tetracampeão inglês com uma goleada que serve de cartão de visita para a próxima aventura em Inglaterra mas que sobretudo é a prova da teoria da evolução que o conjunto verde e branco foi tendo com bases sólidas ao longo do tempo.

Apesar de tudo o que foi dito antes, o Sporting que entrou em campo teve muitas semelhanças ao de… 2022. Com Matheus Nunes a descair mais sobre a esquerda para dar o corredor central a Phil Foden e Savinho na largura pela direita, o Manchester City começou a ganhar com e sem bola em Alvalade pela forma como foi procurando os espaços entre linhas em posse e pela maneira como tapava todas as saídas em construção a partir de trás dos leões, fosse pelos corredores laterais, fosse pelo meio. Foi assim que nasceu mesmo o golo inaugural dos ingleses, com muito demérito verde e branco à mistura mas a coroar a entrada a todo o gás dos visitantes para ganharem confiança em vantagem no marcador: Debast deu em Morita, o japonês não viu a pressão por perto de Phil Foden, perdeu a bola para o internacional inglês e o esquerdino rematou uma “bomba” de frente que apanhou Franco Israel desprevenido por não ver o remate partir (4′).

Nos minutos seguintes, foi um jogo de loucos com as principais referências ofensivas das equipas a falharem o que que quase nunca desperdiçam: Gyökeres, lançado por Pedro Gonçalves, correu 30 metros com bola em velocidade até à baliza contrária, ficou de frente para Ederson mas precipitou-se ao tentar um chapéu para defesa do guarda-redes brasileiro (8′); logo de seguida, Haaland ganhou espaço na área descaído na zona onde mais gosta sobre a direita, arriscou o remate em arco mas Franco Israel evitou o golo com uma grande defesa (9′). Se para os adeptos era um daqueles jogos que vale a pena o bilhete, para os treinadores o cenário era exatamente o oposto como se percebia pela forma como iam dando indicações para o campo. Alguém teria de agarrar de novo na partida e o City voltou a dar o passo em frente, colocando o Sporting na posição a que não está habituado, não gosta e sente mais dificuldades: sem posse e, pior, sem capacidade de saída.

O jogo era City, City e mais City, valendo por mais do que uma ocasião Franco Israel a evitar o segundo golo dos ingleses que poderia mudar em definitivo aquilo que seria o encontro. Haaland teve um cabeceamento ao segundo poste após canto na direita de Phil Foden que o uruguaio desviou com a ponta dos dedos e Gyökeres tirou em cima da linha (28′), o mesmo Haaland apareceu de novo descaído sobre a direita na área para uma “bomba” de primeira para nova defesa do guardião leonino (31′), Bernardo Silva também rematou de pé esquerdo a rasar o poste (37′). Parecia tudo tão fácil que o City facilitou e o Sporting precisou apenas de mais uma ida ao último terço para empatar, com Geovany Quenda a ganhar o espaço interior com uma diagonal que quebrou a linha defensiva contrária e a lançar Gyökeres para ganhar em força e fazer o 1-1 (38′).

Ainda houve uma jogada de 3×2 conduzida por Trincão onde o primeiro passe para Pedro Gonçalves saiu um pouco atrasado e a assistência para o internacional português terminou com um remate muito por cima mas havia uma “estrelinha” a brilhar em Alvalade. Se em Eindhoven tinha sido aquele jogo que por ventura há dois anos o Sporting tinha perdido e bem, conseguindo ainda assim “resgatar” um empate, a receção ao City nos moldes de 2022 teria acabado na primeira parte com um provável desvantagem e expressiva. Não foi isso que aconteceu. Pelo contrário. Com um mérito paralelo: a palestra de Amorim ao intervalo, a última no José Alvalade, mudou por completo a história do jogo. Aliás, bastaram cinco minutos para tudo virar, com Pedro Gonçalves a assistir Maxi Araújo na bola de saída para o 2-1 em pouco mais de 20 segundos (46′) e Gyökeres a aproveitar uma falta de Gvardiol sobre Francisco Trincão para marcar o 3-1 de penálti (49′).

O jogo estava de feição para o Sporting, que poderia ter outra tranquilidade a defender com um bloco mais recuado mas tendo sempre Gyökeres como referência. O Manchester City voltou a ter muita bola, voltou a rodar de um lado para o outro, voltou a procurar espaços mas, à exceção de um remate forte de Savinho que saiu à figura de Israel, pouco ou nada conseguiu fazer para marcar. Mais uma vez, a estrela de quem trabalha para ser abençoado brilhou: Haaland, numa grande penalidade por mão de Diomande após um remate que ficou prensado de Bernardo Silva, acertou na trave (68′); Gyökeres, num penálti por falta de Matheus Nunes sobre Geny Catamo, não desperdiçou, fez o hat-trick e levou o jogo para uma goleada (80′). No final, todos os jogadores leoninos não aguentavam mais em termos físicos. Deram tudo por um epílogo feliz, mais uma vez conseguiram e desafiaram novamente com êxito todas as probabilidades também na Europa.





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