O Hot Clube de Portugal (HCP), uma das principais escolas de música do país, veio esta quarta-feira demarcar-se da “denúncia de alegado abuso” em torno de um antigo professor que foi tornada pública nas redes sociais esta terça-feira. Em comunicado, o HCP informa que “o músico em causa cessou funções como professor da escola do Hot Clube no ano letivo de 2022/2023”. No entanto, a escola admite que foram identificadas “duas situações de assédio” anteriores, no ano letivo de 2021/2022, e que levaram ao afastamento de outros dois professores. Ao Observador, Pedro Moreira, presidente do Hot Clube, garante que nunca houve uma queixa formal, mas que a escola avançou com o afastamento após um relatório interno que concluiu que “houve um abuso na relação de professor e aluna”.
Esta terça-feira começou a circular nas redes sociais uma denúncia de um alegado abuso envolvendo o pianista de jazz João Pedro Coelho, que seria professor na instituição. “O caso envolve alguém que já foi professor na escola do Hot Clube”, confirma Pedro Moreira. Contudo, garante que não recebeu qualquer denúncia em relação ao músico em causa. O Observador sabe que a alegada vítima, Liliana Cunha, nunca foi aluna da escola e que já formalizou a queixa junto da PSP. Ao Observador, João Pedro Coelho respondeu, esta quinta-feira, com um comunicado. “Perante a divulgação, nas redes sociais, de uma acusação que me imputa a prática de factos, de cariz sexual, venho aqui afirmar a falsidade da mesma e reclamar a minha total inocência”, pode ler-se. “Para reposição da verdade e reparação da ofensa ao meu bom nome e dos danos morais e materiais já causados à minha reputação pessoal e profissional, usarei os meios legais que estão ao meu alcance”, diz ainda nas declarações entretanto publicadas no Instagram do artista.
Se sobre a acusação tornada pública esta semana, o HCP afirma que “o caso não está relacionado” com a instituição, a escola de jazz confirma que no ano letivo de 2021/2022 afastou outros dois professores por conduta imprópria com duas alunas.
Estes casos terão sido “reportados de forma informal com a direção pedagógica e com a intervenção de uma professora” e “foram analisados pela anterior direção e levaram ao afastamento dessas duas pessoas”, avança o presidente da instituição, que está no cargo desde fevereiro de 2023. “No relatório [final], em ambos os casos se conclui que houve um abuso na relação de professor e aluna”, adianta o responsável ao Observador. Pedro Moreira esclarece também que “por comum acordo” as situações “não seguiram para outras instâncias”.
O presidente do Hot Clube sublinha ainda que as queixosas “não eram menores”. “Não temos registo ou conhecimento nenhum de ter alguma vez havido qualquer forma de abuso ou assédio envolvendo menores, contrariamente ao que se diz por aí”, frisa ainda.
Como consequência do processo, o HCP criou um código de conduta para a comunidade escolar, um gabinete de apoio ao aluno e um canal de denúncia anónimo que não é gerido pelo HCP (através do e-mail [email protected]). Pedro Moreira adianta ao Observador que desde que o instrumento foi instituído, em setembro de 2022, “nunca houve uma queixa interna”.
No código de conduta a que Observador teve acesso, pode ler-se:
A escola do Hot Clube compromete-se a promover um ambiente saudável e seguro para todos os seus elementos. Compromete-se igualmente a desenvolver as capacidades técnicas, artísticas e humanas das suas alunas e dos seus alunos, de modo a que seu percurso escolar seja o mais estimulante possível.
O respeito pela dignidade da pessoa humana é o princípio basilar.
Toda a comunidade deve respeitar princípios básicos que incluem a não discriminação de nenhum membro do meio escolar, seja aluna(o), funcionária(o) ou professor(a).
Em especial, não são toleradas discriminações em função do género, da etnia, da orientação sexual, da religião nem do estatuto social.A escola está comprometida com a luta contra os estereótipos existentes: faz questão de integrar todos os elementos da sua comunidade na sala de aula e nos eventos que organiza, e de se empenhar de igual modo na formação de todos os seus alunos e alunas.
Não será tolerado assédio moral ou sexual de qualquer ordem. Comportamentos deste tipo serão alvo de medidas disciplinares na escola, e constituem um crime, podendo ser alvo de acções legais.
A escola procurará garantir o respeito deste código de conduta, dispondo, entre outros mecanismos, de um Gabinete de Apoio ao Aluno (com um endereço de email exclusivo e anónimo) para acolher eventuais sugestões ou queixas ([email protected]).
Toda a comunidade escolar deve contribuir para que este código seja cumprido, estando atenta a questões que possam surgir, e ajudar na sua solução.
Não será tolerado assédio moral ou sexual de qualquer ordem. Comportamentos deste tipo serão alvo de medidas disciplinares na escola, e constituem um crime, podendo ser alvo de ações legais.”
O Hot Clube de Portugal é uma associação sem fins lucrativos, fundada por Luiz Villas-Boas, em 1948, com o objetivo de promover e divulgar o jazz em Portugal. A par do clube, que funcionou na Praça da Alegria desde a sua fundação, desde 1979 que o Hot Clube tem a funcionar uma escola de música, atualmente situada em Alcântara, no edifício da Orquestra Metropolitana, que tem formado gerações de músicos e cantores portugueses.
A Escola de Jazz do Hot Clube de Portugal é membro fundador da International Association of Schools of Jazz (IASJ), organização que conta com mais de uma centena de escolas do mundo inteiro, incluindo as prestigiadas New School University, Berklee College of Music, o Conservatório de Paris ou a Royal Academy.
Na sequência da publicação do Hot Clube, a Escola Superior de Música de Lisboa, que pertence ao Instituto Politécnico de Lisboa (IPL), enviou um comunicado a alunos e professores. “Face aos recentes relatos de assédio e conduta imprópria tornados públicos nos últimos dias e que envolvem a comunidade jazzística fora do âmbito da ESML, vem a Escola Superior de Música de Lisboa reafirmar que condena veementemente todo e qualquer comportamento abusivo, seja de que natureza fôr”, lê-se no e-mail a que o Observador teve acesso.
“Mais se relembra que existem na ESML canais para a denúncia de situações de abuso, assim como mecanismos de proteção da vítima”, consta na declaração, assinada pelo coordenador da variante de jazz desta escola. “Situações que sejam identificadas podem ser reportadas ao Coordenador de Curso, ao Conselho Pedagógico, ao Diretor ou ainda ao Provedor do Estudante do IPL”, lê-se ainda. “Queremos garantir que a ESML permanecerá um lugar seguro para toda a comunidade escolar, um espaço de aprendizagem de música, mas também de valores básicos de respeito e humanidade”, termina o comunicado.