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Maputo viveu cenário de guerra mas não sabe o que vai ser o dia seguinte – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 8, 2024

“Esta manhã acordámos com a cidade muito militarizada e policiada, muitas pessoas tentaram entrar em Maputo e a polícia começou a disparar gás lacrimogéneo e depois transformou-se num cenário de guerra”, relata Rafael Machalela, jornalista que vive em Moçambique, à Rádio Observador.

Apesar do bloqueio à internet e limitações nas comunicações, as redes sociais rapidamente começam a ficar inundadas de vídeos que mostram os manifestantes a queimar pneus, caixotes do lixo, uma antena de telecomunicações, um caixão a simular o enterro de Daniel Chapo, o candidato que a Frelimo diz que venceu as eleições presidenciais e a destruir equipamentos públicos como semáforos e painéis publicitários. A polícia, a UIR, Unidade de Intervenção Rápida, o exército e até as tropas da Casa Militar tentavam barrar a passagem dos manifestantes.

Num dos vídeos muito partilhados, vê-se um grupo de jovens que tenta sair de um bairro, ajoelhado no chão, atrás de faixas com a cara de VM7 e slogans “Este país é nosso” a falar com as forças de segurança. Estão a cinco metros e de repente os militares começam a disparar gás lacrimogéneo e balas de borracha, ferindo alguns, refere o CDD.

Depois chegam os relatos e as imagens de pilhagens. Protagonizadas por manifestantes e por polícias. VM7 diz que são infiltrados no protesto, que estão ali para destruir e pilhar. João Feijó, sociólogo moçambicano e doutorado em estudos africanos, que está em Maputo explica à Rádio Observador que há várias unidades da polícia, e que aqueles a quem chamamo os “azulinhos” são “muito mal pagos”. Estão armados mas “não são polícia anti-motins, alguns tiveram de fugir, alguns foram linchados [não neste protesto], a alguns roubaram-lhes a arma”, e participaram nas pilhagens. “Carregaram esses bens e levaram para a esquadra, agora vão alegar que estavam a proteger equipamento”, disse.

“O que aconteceu hoje foi algo inédito”, começa por dizer o diretor do CDD. “O Estado moçambicano sabendo que estava em marcha esta manifestação, estava preparado. Já ontem começou a colocar tanques nas principais praças e artérias à espera da população, cortando a internet, limitando as comunicações precisamente para diminuir a capacidade de comunicação mas também para impedir a comunidade internacional de saber das violações que vão sendo cometidas aqui”, frisa Adriano Nuvunga.

O ativista acusa a polícia e os militares de dispararem “indiscriminadamente gás lacrimogéneo e balas de borracha, mas também balas reais em situações que estão documentadas”.

As balas reais “são muitas vezes disparadas pelos polícias à paisana, dando ideia de que são os tais esquadrões da morte, que sempre existem, que andam à paisana e recebem ordens ilegais de pessoas do Estado para cometer atrocidades”. As evidências do que aconteceu “ultrapassam o nível do abuso dos direitos humanos e entram numa esfera de criminalização do próprio Estado“, diz Adriano Nuvunga ao Observador.

Horas antes, o líder do CDD tinha mesmo acusado as forças de segurança de “instar à violência”, de impor um “estado de terror”, na CNN Portugal. “Vimos carros blindados que nunca tinham sido vistos antes nas praças, polícias entram nos bairros e atiram para matar com balas reais de armas AKM, numa caça ao homem”. Não se “trata de nenhum golpe de Estado, as pessoas estão nas avenidas a reclamar um país melhor, não controlado pelos gangues do crime organizado e da corrupção que empurraram milhares de moçambicanos para a pobreza”.

Na cartografia do protesto, o destino era o centro do poder. Os manifestantes aproximaram-se, estiveram lá perto, mas as forças de segurança não os deixaram passar.

“A polícia organizou operações de controlo à entrada das principais artérias da cidade, alguns jovens conseguiram entrar com cartazes, cantaram, gritaram mas nada de especial.  Foram reprimidos com gás lacrimogéneo. A UIR e a Casa Militar colocaram toda a carne no assador e não permitiram que se aproximassem do centro da cidade, com o medo de que pudessem chegar ao palácio da presidência”, conta João Feijó.

Não chegaram. Mas foram mais longe do que alguma vez algum protesto tinha ido, diz ao Observador Adriano Nuvungo. “Não há memória de alguma vez uma manifestação deste tipo ter chegado bem perto do poder. Os manifestantes, os jovens, foram barrados na avenida Eduardo Mondlane, junto ao Ministério da Saúde” sublinha.

Uma residente nessa zona, conta ao Observador que “em geral o governo barra os manifestantes nos primeiros dez metros, desta vez não conseguiram; não eram muitos mas conseguiram furar”. O palácio da Ponta Vermelha fica perto da avenida 24 de julho e no final da Julius Nyerere, área onde estão muitos ministérios, e a presidência da República fica nesta última avenida. Ou seja, “estiveram a menos de dois quilómetros da presidência e a menos de 1,5 quilómetros do palácio presidencial”.

Estiveram “bem perto do centro do poder, a um quilómetro de chegar ao coração do poder e foi preciso mobilizar uma força militar poderosa para os impedir”, acrescenta Adriano Nuvunga.

VM7, no seu vídeo em direto a meio da tarde, disse que o povo já tinha tomado o poder. Não aconteceu. Mas também não houve o banho de sangue que muitos temiam. “Ficou a meio”, calcula Nuvunga. “Não foi nos termos em que o Mondlane disse e não houve banho de sangue” porque os soldados não quiseram.

“Sobretudo os militares e as forças da UIR apareceram em muitos momentos perto da população, com os blindados, até com os manifestantes pendurados, outros levantaram o braço de dentro do tanque em sinal de apoio, estiveram mais perto do que os polícias”, afirma.

Os polícias são “mais reservados, são os que menos se misturam, apesar de ter aparecido uma imagem com um polícia a carregar um jovem ferido”. Há relatos de os polícias darem água aos manifestantes mas também há de tirarem os garrafões de água que os moradores da “cidade de cimento” colocaram nos passeios para os jovens se refrescarem e limparem do gás lacrimogéneo. “Os mais brutais são os militares e os da UIR, mas esses foram os mais próximos da população”, e isso terá evitado maior violência.  “Creio que houve de uma e de outra coisa mas isto foi sem precedentes para a história do nosso país”, conclui Adriano Nivunga.

A forma como o governo agiu esta quinta-feira prova que a ideia de Mondlane, de uma revolução sem armas, não é realista, avisa João Feijó. “A resposta do governo foi extremamente violenta na Eduardo Mondlane: viam-se polícias à paisana em carros à paisana que entravam a grande velocidade e disparavam para a população”, garante o investigador.

A menos que seja algo “tipo Gandhi, uma revolução à custa de centenas e milhares de civis que leva a um desgaste do regime, da imagem internacional” e com os militares a não se envolverem. Mas “a resposta do núcleo duro da Frelimo será sempre violento, está no ADN da Frelimo, sempre respondeu assim à ameaça de perder o poder”, lembra.

Isto apesar de “inúmeros setores da polícia e dos militares estarem do lado do povo” salienta Feijó recordando que, durante a votação os militares tiravam o seu distintivo ou o seu chapéu que colocavam ao lado do boletim de voto enquanto votavam no Mondlane, faziam foto e publicavam nas redes”.

E há outro aspeto que Mondlane tem explorado nas suas “lives”, a falta de armas em Cabo Delgado para lutar contra os terroristas, e a sua existência agora em Maputo. “Os militares de Cabo Delgado ficaram furiosos e setores do exército ficaram muito incomodadas por verem helicópteros a atirar gás lacrimogéneo para dentro dos quintais e casas das pessoas, e eles não terem meios aéreos”, explica Feijó.

O dia acabou com o protesto reprimido pelas forças de segurança. Mas não é o fim, assegura fonte ligada à campanha de Mondlane. É verdade que VM7 já tinha dito que este era a terceira fase de quatro. Falta uma. Esta sexta-feira, 8 de novembro, é um novo dia em que Maputo não sabe como vai acordar.





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