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Banca reforça aposta no consumo, com os lucros no crédito à habitação em rota descendente – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 8, 2024

Os cinco maiores bancos a operar em Portugal tiveram quase quatro mil milhões de euros em lucros, só nos primeiros nove meses do ano, 20% mais do que no mesmo período de 2023. Ainda assim, os números trimestrais divulgados pelo setor nas últimas semanas mostram que a descida das Euribor está a tirar “vento das velas” na rentabilidade dos bancos, um efeito negativo que os bancos cedo compensaram, baixando os juros dos depósitos. Com as receitas nos créditos à habitação, embora ainda elevadas, já em rota descendente, os bancos estão a reforçar a aposta no crédito ao consumo, um segmento de menor relevância mas que está a ter um rápido crescimento – um crescimento que Mário Centeno considera que nem com mais impostos será possível refrear.

Embora o crédito ao consumo seja o segmento mais pequeno da carteira dos bancos (menor do que o crédito à habitação e às empresas), os responsáveis das instituições financeiras não escondem ter interesse em apostar mais nesse mercado, que é dominado pelas empresas de crédito especializado. Miguel Maya, presidente do Millennium BCP – que diz sempre que no BCP não há “crédito ao consumo” mas, sim, “crédito pessoal” – sublinhou no final de outubro que “há uma oportunidade muito grande no crédito pessoal“, o que inclui crédito automóvel e várias outras finalidades.

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“Ainda hoje este mercado é dominado por operadores especializados em crédito ao consumo”, afirmou o banqueiro, na apresentação dos resultados trimestrais do BCP – aqui, sim, falando em crédito ao “consumo”. “Muitos clientes bancários, nomeadamente do BCP, fazem créditos em pontos de venda [tais como em centros comerciais] numa lógica de crédito ao consumo”, mas a inovação digital permite, diz Miguel Maya, “que os nossos clientes em vez de fazer um crédito no ponto de venda possam ter um crédito do seu banco no momento, através do seu telemóvel, e isto abre uma uma oportunidade para competir com esses operadores especializados”.

Miguel Maya acrescentou que o BCP está a tentar “explicar aos clientes que têm vantagens efetivas, até em preço, se fizerem connosco – em termos de rapidez, de segurança da sua informação, estão a trabalhar com o seu elo de confiança“. O crédito pessoal foi o que mais cresceu, em termos percentuais, no BCP: essa carteira aumentou quase 16% para 7,4 mil milhões de euros, ao passo que o crédito à habitação apenas cresceu 4% (para 28,6 mil milhões) e o crédito a empresas caiu quase 6% (para 21,5 mil milhões).

Carros, férias e cauções de rendas. DECO alertou para acumulação de créditos


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Os especialistas têm avançado várias explicações para o aumento do crédito ao consumo, entre as quais o aumento dos preços dos automóveis (frequentemente, carros elétricos que comportam custos mais elevados à cabeça). Mas este é um fenómeno que ainda está por compreender totalmente.

Ainda assim, a associação de defesa do consumidor DECO alertou recentemente, ao jornal Público, que há clientes particulares que estão a obter vários créditos ao consumo no espaço de meses, até no mesmo banco. Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira (GAF), disse ao jornal que em algumas situações “a contratação de novos empréstimos é praticamente mensal, e em montantes que, na maioria dos casos, começa em valores relativamente baixos, mas que rapidamente assumem valores elevados face à capacidade financeira dos devedores”.

Estes créditos pessoais acumulam-se, muitas vezes, com outros destinados a aquisição de bens ou serviços, como o crédito automóvel ou o “crédito revolving” (cartões de crédito ou outros descobertos bancários), que Natália Nunes diz que tem sido um meio para pagar, por exemplo, despesas de férias.

Também é frequente encontrarem-se situações em que os novos créditos se destinam a pagar outros que já estão em incumprimento (ou perto disso). Mas também há créditos para fazer face a outras despesas, como “cauções de contratos de arrendamento”, revelou Natália Nunes.

A tendência em alguns dos outros bancos é semelhante, o que não surpreende tendo em conta que o segmento, como um todo, também está a crescer rapidamente. A 25 de outubro, o Banco de Portugal indicou que a concessão de crédito ao consumo subiu, em setembro, ao ritmo (anual) mais elevado dos últimos seis anos. O crescimento do crédito para “consumo e outros fins” foi de 5,3% em setembro, o mais pronunciado desde setembro de 2018, com o subgrupo de “crédito para consumo” a subir a um ritmo ainda maior: 7,7%.

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Até a Caixa Geral de Depósitos, pela voz de Paulo Macedo, reconheceu nesta quinta-feira, ao apresentar os resultados dos primeiros nove meses, que vai ser reforçada a aposta no crédito ao consumo. Questionado pelo Observador sobre este tema, Macedo reconheceu que a “Caixa nunca foi, tradicionalmente, muito ativa no crédito ao consumo, tal como também não foi em outros segmentos como o private banking”. Mas hoje há uma “atenção diferente” dada ao segmento do crédito ao consumo, afirmou, porque são produtos que respondem a “necessidades dos clientes” e “não queremos que o cliente faça aqui um depósito e depois vá pedir um crédito noutro banco”.

“No crédito ao consumo, o que hoje entendemos é que temos uma boa operativa e o dinheiro aparece na conta do cliente de uma forma muito breve” mas “esperamos crescer“, afirmou Paulo Macedo, presidente do banco público que, em Portugal, tem uma quota de mercado de apenas 6,3% – uma fração dos 25% do mercado que a Caixa tem no crédito à habitação.

O Novo Banco, por seu lado, aumentou em 11,4% a concessão de “crédito ao consumo e outros” num período (primeiros nove meses de 2024) em que o crédito à habitação baixou 1,4%. Já o Santander Portugal, que não divulgou dados detalhados nem agendou conferência de imprensa para apresentar os resultados destes nove meses, disse em comunicado que teve “um crescimento sustentado dos volumes de nova produção de crédito, em especial no segmento de particulares” – não só na habitação mas, também, “no segmento de crédito ao consumo e outros fins, o banco manteve uma atividade dinâmica“.

Margem financeira ainda alimenta lucros dos bancos (mas já começou a cair)


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Os resultados dos bancos continuaram, nestes primeiros nove meses, a ser suportados pela margem financeira — a diferença entre os juros cobrados nos créditos e os juros pagos nos depósitos.

Entre janeiro e setembro deste ano, Millennium BCP, Santander Totta, Novo Banco e BPI acumularam uma margem financeira de 4.980 milhões de euros, mais 6,5% que há um ano. Já nesta quinta-feira, o maior banco do sistema, a Caixa Geral de Depósitos, revelou que também a sua margem financeira cresceu – 1,5% para 2.122 milhões de euros.

Porém, Paulo Macedo confirmou que esta rubrica já está a descer há vários meses (depois de ter atingido o pico em outubro de 2023) e em 2025 os lucros agregados devem ser menores do que em 2024.

Em 2023, os lucros dos bancos foram beneficiados pelas altas taxas de juro nos empréstimos e lenta subida das taxas de juro nos depósitos. A resposta rápida dos bancos, com a redução dos juros dos depósitos, ajudou a conservar a margem financeira – que tende a descer relativamente devagar porque as prestações apenas são recalculadas a cada 12, seis ou três meses, conforme o indexante que o cliente tenha contratado.

O único que parece não estar tão entusiasmado com o crescimento veloz do crédito ao consumo é o presidente da comissão executiva do BPI, João Pedro Oliveira e Costa. O BPI, que aumentou em 2% o crédito à habitação nos primeiros nove meses do ano, baixou em 6% a concessão de “outro crédito a particulares”, isto é, crédito ao consumo.

Esta descida foi, garante o banqueiro, um movimento “bastante calculado” por parte do BPI, que preferiu focar-se no crédito à habitação e, por outro lado, no financiamento das empresas. “Nós tivemos vários sinais de preocupação, ao longo do período do pós-pandemia, e vimos alguma dificuldade natural” em muitos clientes que enfrentaram maiores dificuldades no pagamento dos créditos à habitação que, ao contrário do crédito ao consumo, são maioritariamente feitos com taxas variáveis.

“Por isso, preferimos ser mais prudentes“, afirmou João Pedro Oliveira e Costa, questionado pelo Observador na conferência de imprensa de apresentação dos resultados do banco detido pelos espanhóis do Caixabank. “Os clientes que entenderem que, mesmo admitindo que poderão vir a enfrentar problemas para pagar aquele crédito pessoal, querem seguir esse caminho têm outros bancos que o podem fazer”, salientou o banqueiro, acrescentando: “nós não incentivamos crédito pessoal a quem entendemos que poderá ter muita dificuldade em vir a pagá-lo“.

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A prioridade do BPI foi, frisou, “concentrar-se nas pessoas [a quem o crédito pessoal] não afetaria o seu rendimento disponível de forma significativa” e não “somar crédito pessoal” àquilo que, em muitos casos, as “pessoas já tinham de crédito à habitação, cuja fatura aumentou muito” com a subida das Euribor em 2022/2023.

Com a descida das taxas de juro que já houve nos últimos meses, e que segundo os analistas deverá continuar, o BPI acredita que “essa fatura [das prestações de crédito à habitação] irá reduzir-se e poderemos assistir a uma maior folga nas famílias em termos de rendimento disponível”. “Vamos continuar a analisar muito de perto a sua capacidade e, por isso, eventualmente poderemos vir a dar um maior foco” ao crédito ao consumo, rematou João Pedro Oliveira e Costa.

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Na proposta de Orçamento do Estado para 2025, o Ministério das Finanças não manifestou qualquer intenção de querer refrear a contratação de crédito ao consumo. Se quisesse fazê-lo, poderia, por exemplo, recuperar o agravamento de 50% no imposto de selo que esteve em vigor até final de 2022, depois de ter sido lançado em 2016 pelo então ministro das Finanças, Mário Centeno.

Centeno está, agora, no Banco de Portugal e, na apresentação da última edição do Boletim Económico, o Observador questionou o governador sobre se o Governo deveria ponderar reintroduzir esse agravamento do imposto cobrado no momento da contratação dos créditos. “O imposto de selo foi, durante vários anos, usado como medida de contenção ao endividamento”, respondeu Mário Centeno – “e eu não acho que tenhamos, neste momento, níveis de endividamento baixos em Portugal”.

O governador do Banco de Portugal considerou que “temos seguramente [níveis de endividamento] mais baixos do que tivemos no passado – e foi um enorme sucesso aquilo que conseguimos todos fazer”. “Mas não acho que estejamos em condições de voltar a níveis [mais elevados] de alavancagem”, ou seja, de recurso à dívida para financiar consumo, advogou Mário Centeno.

Se reintroduzir o agravamento do imposto de selo “puder fazer algum papel de mitigação e contenção neste mercado, a minha resposta é que sim“. Ou seja, o Governo deveria ponderar essa medida, defendeu Mário Centeno, dando a entender que, mesmo pagando mais imposto de selo, a maior parte dos clientes bancários provavelmente iria querer contratar os créditos de qualquer forma.

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