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a metamorfose do Sporting em cinco anos (e o que se segue) – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 11, 2024

Por forma a ter alguma (pequena) margem para contratações, tinham saído do plantel alguns dos jogadores com mais valor de mercado mas que Amorim entendia ter soluções para ocupar como Wendel, Marcos Acuña e Vietto além de Matheus Pereira. Com isso, mesmo não sendo muito, construiu-se uma nova base: João Mário e Pedro Porro chegaram por empréstimo, João Palhinha voltou a Alvalade, Gonçalo Inácio subiu para ser opção à equipa A, Adán e João Pereira assinaram a custo zero, Pedro Gonçalves, Nuno Santos e Feddal foram os únicos movimentos a envolver mais dinheiro sendo que, pelas limitações existentes, tudo ficava a ser negociado até à última e com percentagens de passes a ficarem nos clubes de origem. O saldo era positivo, a equipa ia dando resposta só com vitórias e dois empates até janeiro. Aí, chegou uma versão 2.0.

Apesar de toda a contenção de custos e das reduções com pessoal e de passivo, o primeiro semestre da SAD iria encerrar com 6,9 milhões de euros de prejuízo tendo em conta uma contração no volume de negócios de 32% ainda com estádios fechados e demais condicionantes. Era nesse contexto que surgia mais uma vez a necessidade de ir ao mercado à procura de um avançado. O clube apresentava várias opções, Amorim queria apenas Paulinho ou mais nenhum. O cenário era simples: com a conquista do título, o jogador do Sp. Braga era um investimento; sem ela, iria transformar-se num custo demasiado pesado. As negociações começaram, os valores estavam demasiado altos, pelo meio o Sporting continuava a ganhar a conquistou a Taça da Liga. No mesmo dia em que iria defrontar o Benfica em Alvalade, Paulinho assinou mesmo, ficando na altura como a contratação mais cara de sempre (16 milhões por 70% do passe entre outras alíneas).

O Sporting conseguiria mesmo quebrar o jejum de 19 anos sem ganhar o Campeonato, o maior de sempre do clube e que superou os 18 anos até 2000, com a particularidade de fazer a festa com um triunfo pela margem mínima frente ao Boavista em Alvalade com um golo de… Paulinho. Foi uma campanha para a história, com apenas uma derrota na Luz e com o título ganho (4-3) e milhares e milhares de pessoas a saírem à rua numa altura em que o País vivia ainda todos os condicionamentos da pandemia. “A época 2020/2021 constitui a primeira edificação de um Novo Sporting. O Novo Sporting a que demos início em setembro de 2018 e que, dia a dia, jogo a jogo, ano após ano, se destaca em três vetores: sustentabilidade, competitividade e honestidade”, destacava Frederico Varandas no fecho de um exercício que coincidia com o pior resultado da sociedade desde 2012/13 com um prejuízo de 32,9 milhões de euros. O custo era mesmo um investimento.

Com a venda de Nuno Mendes a tornar-se a segunda maior de sempre dos leões, apenas superada por Bruno Fernandes e com esse extra de trazer até Alvalade por empréstimo Pablo Sarabia, o mercado não teve uma quantidade tão grande de mudanças mas trouxe de volta Islam Slimani como alternativa a Paulinho, algo que sempre se percebeu ser mais um desejo da administração da SAD do que do próprio treinador (que admitia a entrada de mais um avançado mas com outro contexto). O Sporting conquistou a Supertaça, ganhou depois a Taça da Liga, caiu nas meias da Taça de Portugal e foi superado pelo FC Porto no Campeonato apesar de ter feito 85 pontos. Na Champions, depois de uma fase de grupos com três vitórias, os leões foram pela segunda vez aos oitavos mas acabaram goleados pelo Manchester City em casa logo na primeira mão por 5-0.

Por paradoxal que pareça, esse foi o momento que mostrou como Ruben Amorim tinha clube e adeptos aos seus pés. A forma como todo o estádio se levantou nos últimos minutos da partida com os ingleses a cantar o “Nós acreditamos em vocês” confirmava uma mudança total de paradigma em Alvalade. O Sporting tornara-se um candidato a ganhar todas as provas nacionais, tinha uma identidade perfeitamente definida e mudara o ciclo vicioso que existia em março de 2020 para um ciclo virtuoso quaisquer que fossem os resultados. Foi aí que se percebeu como o futebol reerguido pelo técnico tinha estabilizado também o clube num plano mais institucional, com a parte financeira a ser também beneficiada dessa inversão de ciclo apresentando o maior volume de negócios de sempre (181,9 milhões) entre o terceiro melhor resultado da história da SAD (25 milhões) e o melhor em termos operacionais sem transações de jogadores (12 milhões).

Em paralelo com isso, Frederico Varandas “aproveitou” o recentrar do foco dos adeptos naquilo que deveria ser sempre: os resultados desportivos do futebol e também das modalidades. A “guerra” com as claques não conheceu propriamente uma trégua, as eleições de 2022 tiveram mais dois candidatos numa campanha com várias críticas à mistura (Nuno Sousa e Ricardo Oliveira), nem por isso o clube voltou aos tempos do passado recente com uma estranha veia autofágica. Apesar de ter a reeleição mais do que controlada, o presidente dos verde e brancos apresentou ainda mais uma carta para consolidar todo esse reerguer da estrutura e anunciou o acordo com o Millennium BCP para a recompra da sua parte dos VMOC. Também aqui deixava de haver razões para conversas entre siglas sobre futuro: a maioria do capital social da SAD estava garantida.

O projeto desportivo estava delineado, construído e consolidado mas nem por isso deixou de ter um teste de fogo na temporada de 2022/23. Começou mal, esteve ainda pior, terminou da melhor forma. Ruben Amorim nunca teve o seu lugar em causa (apesar das várias conferências em que dizia que podia sair se fosse essa a vontade) mas enfrentou pela primeira vez uma temporada com demasiados erros coletivos, resultados aquém e momentos de maior tensão com Frederico Varandas. Principal motivo? A venda de Matheus Nunes no final do mercado de verão, numa altura em que João Palhinha já tinha saído para o Fulham, Manu Ugarte assumia a posição 6 com características diferentes, Morita estava em período de adaptação e Pedro Gonçalves tinha de recuar para o meio-campo deixando o lugar onde sempre rendeu mais em Alvalade.

Amorim nunca teve grandes discussões em relação a vendas de jogadores habitualmente titulares desde que as mesmas fossem ponderadas, realizadas e “compensadas” de forma atempada. Nesse momento, quando o médio saiu para o Wolverhampton pelas mesmas condições que já tinham sido recusadas numa fase anterior pelo clube e pelo próprio, o técnico foi apanhado de surpresa e as relações com a estrutura ficaram bem mais frias. Com o tempo, tudo foi normalizando. Varandas percebeu a posição de Amorim, Amorim percebeu a posição de Varandas. Problema? Os resultados não apareciam. A equipa baixou o rendimento em termos ofensivas entre oportunidades criadas e golos, cada erro defensivo resultava em golo do adversário, o atraso no Campeonato começava a ser demasiado grande e até a fase de grupos da Liga dos Campeões acabou sem qualificação para os oitavos apesar dos dois triunfos logo a abrir. Na paragem do Mundial, tudo virou.

Ruben Amorim nunca deu entrevistas, nem nos momentos bons, nem nos momentos maus. Teve convites de todos os meios nacionais, recebeu solicitações das maiores publicações mundiais, preferiu sempre manter a sua “reserva” deixando tudo para as conferências de imprensa. Em dezembro de 2022, abriu uma espécie de “exceção”: no dia em que renovou contrato com o Sporting até junho de 2026, passou pelo programa ADN de Leão, mostrou um outro lado menos conhecido e prolongou as juras de amor ao clube que quase pareciam apagar o que se passara nos primeiros meses da temporada. Na segunda metade, as coisas foram mudando: Diomande foi uma chegada prometedora em janeiro, a qualificação nos oitavos da Liga Europa com o Arsenal tornou-se um dos pontos altos (antes da eliminação com a Juventus), a última derrota na Liga foi em fevereiro não evitando o quarto lugar. A pior temporada tornou-se a maior das lições internas.

Com o fecho das negociações com o Novo Banco para os restantes VMOC e também do último capítulo de toda a reestruturação financeira, a que se juntou mais um resultado positivo no exercício de 25,2 milhões de euros (com volume de negócios de 222 milhões de euros) e a venda de Manu Ugarte para o PSG depois da saída de Pedro Porro para o Tottenham, o Sporting entrava num patamar onde podia fazer contratações cirúrgicas para determinados setores com outra disponibilidade para chegar aos alvos desejados no mercado internacional. Foi no verão de 2023 que apareceu de forma mais visível outro dos departamentos que tinha sido completamente transfigurado: o scouting. Quando Hugo Viana negociou entre várias viagens e reuniões as contratações de Viktor Gyökeres com o Coventry e de Morten Hjulmand com o Lecce, o Sporting conseguiu pela primeira vez ter um plano A, ficar pelo plano A e pagar um pouco mais para garantir o plano A numa perspetiva de melhor avançado para a ideia de Amorim e não apenas de melhor avançado.

No início, houve ceticismo. O sueco vinha da Segunda Liga inglesa, o dinamarquês tinha marcado apenas um golo nos seniores em 2019/20. Com um par de jogos, tudo foi dissipado. O Sporting tornou-se uma equipa com muito mais soluções em termos ofensivos, conseguiu superar da melhor forma a perda de Ugarte no meio-campo e foi “ganhando” jogadores como Francisco Trincão, Daniel Bragança ou Eduardo Quaresma, que se mostravam a um nível muito acima do que tinham feito anteriormente. Foi quase a época do causa-efeito: Amorim tirou o melhor de Gyökeres e Hjulmand, Gyökeres e Hjulmand deram o melhor à equipa do Sporting, o Sporting mostrou o melhor que Amorim conseguia fazer. O título parecia uma questão de tempo, confirmando-se numa fase em que o treinador tivera um raro episódio em que foi apanhado em falso.

Aproveitando a folga depois do triunfo com o V. Guimarães e antes de uma deslocação ao Dragão que podia acelerar a conquista do Campeonato, Ruben Amorim foi fotografado a entrar num jato privado para rumar a Londres onde iria reunir com o proprietário do West Ham. O técnico considerava naquela altura que o título já não fugia aos leões e aceitou o repto de conhecer o líder de um clube que lhe apresentava um projeto um pouco diferente daquilo que perspetivava para primeira experiência no estrangeiro mas que poderia ter as suas vantagens. Ao ser “apanhado”, pediu desculpa aos jogadores e aos adeptos, assumiu que tinha sido um erro, não mais voltou a falar com os dirigentes dos hammers e, em pleno Marquês do Pombal, “confirmou” com o célebre “Vamos ver” que ficava em Alvalade à procura do bicampeonato. Mas o que aconteceu?

Ruben Amorim sabia que estava referenciado por algumas equipas europeias de topo e que o “salto” para fora, sobretudo para a Premier League que teve sempre como principal objetivo, era uma questão de tempo. No entanto, e com a possibilidade Liverpool a cair por terra com a confirmação de Arne Slot como sucessor de Jürgen Klopp, todas as principais equipas estavam “tapadas”. O problema de Amorim não era a questão de sair por cima como campeão mas sim a necessidade de ter de criar um novo ciclo fazendo algo que até aí nunca fizera na carreira: dar ordem de saída a alguns soldados mais próximos que o foram acompanhando desde a chegada ao Sporting como Antonio Adán, Luís Neto ou Paulinho (Coates não deveria sair em 2024 mas foi isso que aconteceu no verão). Foi isso que acabou por fazer, sem beliscar o sucesso coletivo.





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