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Trump e a lua que não vemos – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 12, 2024

“Quando o dedo aponta para a lua, os tolos olham para o dedo”. O ditado popular, que se atribui aos chineses, é um dos que melhor se aplica aos tempos que temos vivido. Continuamos a olhar para o dedo – para quem os cidadãos escolhem nas eleições – em vez de olharmos para a lua – a realidade do quotidiano e as razões que conduzem as pessoas a escolhas que nos parecem irracionais. Foi assim, outra vez, nos Estados Unidos, é e tenderá a ser assim em Portugal como nos outros países europeus.

Quando testemunhamos o que se passou em Valência, em que o cálculo político se sobrepôs ao interesse público e provocou vítimas mortais, com um Governo espanhol que se diz de esquerda, só temos de nos admirar como é que ainda há quem vote em alguns partidos.

Quando vemos um ex-primeiro-ministro de Portugal, que desperdiçou uma maioria absoluta e deixou o Estado no estado em que está nos seus serviços fundamentais do Estado Social, defender a “honra do PS” para atacar o seu sucessor na liderança do partido, manifestando total indiferença em relação ao problema que o autarca socialista e os seus munícipes enfrentam, só temos de nos admirar por não termos uma reacçao ainda maior dos eleitores.

Quando vemos esse mesmo artigo de António Costa ser co-assinado por Pedro Silva Pereira que nunca se preocupou com nenhum problema do país enquanto era eurodeputado e se lembrou da Pátria quando Pedro Nuno Santos o excluiu de Estrasburgo, só nos temos de admirar de a revolta não ser maior

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Quando vemos os partidos à esquerda do PS a mobilizarem-se mais com o drama na Palestina do que com os problemas de Portugal, da educação à saúde, dos transportes públicos à habitação, só temos de nos admirar com os votos que ainda têm.

Henrique Raposo no Expresso diz que a esquerda se tem andado a suicidar. A esquerda e todos os que acompanham a realidade e não conseguem – ou nem se esforçam – para se distanciarem e não avaliarem o mundo pela sua bolha. E aqui incluem-se os jornalistas, como escrevem José Manuel Fernandes ou Helena Matos. Como é fundamental ler a análise de Jaime Nogueira Pinto.

Todas estas reflexões foram fundamentalmente desencadeadas pela vitória de Donald Trump, incompreensível aos nossos olhos e surpreendente por via do líamos na imprensa mainstream norte-americana. Os jornalistas nos Estados Unidos já tinham feito uma espécie de apelo à reflexão na primeira vitória de Trump, mas esqueceram-se de a aplicar.

Claro que olhar para o passado com os olhos de hoje é fácil. Mas quando uma comunidade está preocupada com o nível de preços, a insegurança e a imigração, concentrar uma campanha nos direitos reprodutivos das mulheres – por muito importante que obviamente sejam – é um erro que a simples pirâmide de Maslow identifica.

Depois existe, no caso dos Estados Unidos, toda a mudança que tem ocorrido na sua população – identificada também no artigo de Henrique Raposo – e que é tão bem ilustrada nesta reportagem do Financial Times no Bronx. Uma das reportagens que mostra bem o que se passou – ou começa a passar – com a forma como Kamala Harris tentou conquistar os imigrantes. Um deles, que chegou do Yemen com oito anos diz-nos: “Crescemos em ditaduras, não nos podem querer enganar dizendo que alguém é ditador porque fala demais”.

A esquerda esqueceu-se do povo, esqueceu-se que as necessidades básicas estão longe de estar satisfeitas e começou a subir na pirâmide de Maslow. Enquanto os novos partidos ou lideres como Trump falam sobre problemas básicos dos cidadãos, como as suas contas do supermercado, o preço do combustível, os transportes públicos que não funcionam, os imigrantes da casa ao lado e dos quais têm medo ou o vizinho com casa da Câmara e que não paga a renda nem trabalha, os partidos tradicionais, com especial relevo para os que se dizem de esquerda, falam de direitos que boa parte nem entende e até, no caso dos mais conservadores, é contra.

No caso da União Europeia o problema é ainda mais grave. Bruxelas afastou-se tanto dos cidadãos que temos razões para recear que a extraordinária construção europeia está a colocar a sua sobrevivência em risco. E com a política que se perspetiva com Trump, está condenado o modelo de ganhar votos e paz social com o dinheiro de um Estado que devia ser Social, mas que aos olhos da classe trabalhadora com salários baixos se deixou instrumentalizar por oportunistas.

Enquanto continuarmos a olhar para o dedo em vez de vermos a lua, manteremos esta trajetória de crescimento dos populismos e de retrocesso para um mundo mais fechado. Muito provavelmente já não vamos a tempo de evitar esse novo mundo mais conservador e fechado.





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