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o pouco feliz regresso de Ridley Scott à Roma antiga e ao Coliseu – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 13, 2024

Em meados da primeira década deste século, Ridley Scott já estava a trabalhar em ideias para uma continuação de Gladiador (2000) que então ainda incluía a personagem de Maximus, e ele e Russell Crowe pediram a Nick Cave que escrevesse um esboço de argumento. O músico apresentou-lhes uma história intrincada e mirabolante, em que Maximus está no Além e é encarregue pelos deuses romanos de assassinar um outro deus e depois Jesus Cristo, volta à vida como cristão, mata o seu filho por engano, é condenado por Júpiter a viver para sempre, atravessa os séculos a combater numa série de grandes conflitos e acaba no Pentágono, nos nossos dias. (Quando Cave perguntou a Crowe: “Mas não morreste no primeiro filme?”, este respondeu-lhe: “Sim, desenrasca-te.)

O argumento de Nick Cave (que está disponível na Internet) foi recusado por Ridley Scott e Russell Crowe (este disse-lhe apenas: “Não gostei, pá.”), a personagem de Maximus foi, a seu tempo, também eliminada do projeto, levando à saída do ator, e Gladiador II acabou ter muito pouco de inédito ou de surpreendente. O filme conta a história do regresso forçado a Roma de Lucius (Paul Mescal), o filho de Maximus, e da sua vingança, e parece menos uma continuação do que um decalque do original, passado 20 anos mais tarde. Os principais elementos da sua trajetória narrativa são ou reproduzidos à mesma escala, ou intensificados, e as novas personagens repetem as características positivas ou negativas das suas equivalentes de Gladiador.  

[Veja o “trailer” de “Gladiador II:]

Gladiador abria com uma formidável batalha entre romanos e tribos germânicas; Gladiador II abre com um aparatoso ataque naval romano a uma cidade costeira fortificada da Numídia. Gladiador tinha gladiadores a combater contra tigres no Coliseu de Roma; Gladiador II tem gladiadores a enfrentar um rinoceronte – digital e em 3D – montado por outro gladiador, e um combate entre barcos num Coliseu cheia de água onde nadam tubarões. Gladiador tinha um imperador demente e perverso, Cómodo; Gladiador II tem dois imperadores dementes e perversos, os gémeos Geta e Caracala, mais um usurpador maquiavélico, Macrino. Gladiador tomava várias liberdades com a história de Roma; Gladiador II é descaradamente fantasioso. Gladiador era sangrento; Gladiador II é um matadouro. E assim por diante.

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[Veja uma entrevista com Ridley Scott, Paul Mescal e Denzel Washington:]

Ridley Scott e o argumentista David Scarpa (que também escreveu o catastrófico Napoleão) pretenderam, em Gladiador II, repetir, amplificando-as, a espectacularidade visual e a potência emocional da primeira fita. Ao mesmo tempo que procuravam manter a referência das grandes produções históricas passadas no mundo antigo, os peplums de tanta tradição em Hollywood (e também na Europa, ver o cinema italiano). O filme, inegavelmente, é grandioso e o dinheiro vê-se todo na tela (o orçamento terá ultrapassado os 300 milhões de dólares), é tecnicamente quase irrepreensível (menos um par de sequências em que os efeitos digitais têm as costuras todas à mostra, como a da luta com os babuínos), Scott faz-nos acreditar no mundo e na era em que se passa, e sentir parte deles, e puxa pelo arcaboiço do entretenimento.

[Veja os bastidores da rodagem:]

Só que Gladiador II deixa também a forte impressão de que Ridley Scott está a gerir, competente mas mecanicamente, uma pauta cinematográfica que se tornou mais uma franchise (há já um Gladiador III no horizonte). E a fita ressente-se, pesada e fatalmente, da ausência de Maximus e de um ator com o calo de representação e o carisma de “estrela” como Russell Crowe para ser o seu sucessor, e personificar o descendente daquele. Paul Mescal será bom para interpretar tipos quotidianos em séries como Gente Normal e filmezinhos como Aftersun, mas não tem tarimba, dotes físicos nem pinga de star power para  personagens heroicas em épicos históricos. O seu Lucius é brando, insípido e indiferente. Gladiador II precisava de um paladino, saiu-nos um chóninhas (a quem no final a fita dá um discurso “inspirador” ridiculamente proto-socialista.)

Connie Nielsen e Derek Jacobi são os únicos a transitar com as suas personagens do primeiro filme para este, mas sem fazerem muita diferença, o general Marcus de Pedro Pascal é um estereótipo de valentia e dignidade previsivelmente sacrificado pelas necessidades do argumento, Joseph Quinn e Fred Hechinger desfazem-se em maneirismos camp nos imperadores gémeos, e quem faz as despesas de interpretação de Gladiador II é Denzel Washington na pele do ambicioso, astucioso e amoral Macrino, o émulo maligno do Proximo de Oliver Reed em Gladiador (e que na vida real chegou a ser imperador durante pouco mais de um ano). E se Washington leva Gladiador II para casa debaixo do braço, o espectador leva a sensação que esta continuação era dispensável.   





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