À data em que escrevo, milhares de entidades estão a fechar os seus orçamentos para 2025. Sabemos que os custos com bens e serviços vão aumentar. Sabemos que o salário mínimo vai subir e que isso é o maior impacto de todos em termos de aumento de custos. Este aumento é imposto pelo Governo, não há como escapar. Gostava de perguntar ao Governo como vamos suportar este aumento elevado de custos. E como aumentamos salários aos outros trabalhadores? É que cabe ao Governo decidir o nosso aumento de receita e até à data, nada! Há décadas que é assim. Como fazemos então os nossos orçamentos?
Esta semana, na minha própria organização, perdemos duas terapeutas ocupacionais e uma terapeuta da fala. É dos profissionais que mais escassez tem o mercado de trabalho e compete aos governos mudar este paradigma, ou seja, aumentar as vagas nestes cursos. Mas nada acontece. Estas terapeutas foram trabalhar para o Estado. Muito melhor salário, mais regalias, menos horas de trabalho. Como se compete com isto? Duas delas entraram para a carreira de professoras. O leitor pergunta, mas então são terapeutas ou professoras? Pois… sempre ajuda a melhorar estatísticas no que à falta de professores diz respeito e sem dúvida que é atractivo como carreira profissional.
No início de Outubro o Primeiro-Ministro reuniu os representantes do sector social e assinou um aumento de 3,5% nalgumas áreas de apoio social. Rapidamente recebemos um e-mail esclarecedor da Segurança Social a informar que na realidade não eram aumentos. Era sim uma esmola (expressão minha) extra que só vale para 2024. Tudo continua na mesma. Os Governos exigem-nos que cumpramos um determinado quadro legal e que prestemos bons serviços aos nossos utentes. Mas são os Governos quem nos “roubam” os recursos humanos, que não nos dão meios financeiros para fazermos bem o nosso trabalho e podermos pagar salários atractivos. Poucas são as pessoas disponíveis para trabalhar no nosso sector. E por todas estas razões a qualidade do serviço diminui significativamente, sendo que a mais grave são as equipas desfalcadas. O que por vezes origina falhas, que no limite, colocam em causa a saúde e a vida dos utentes. Se algo corre mal (como às vezes corre) a culpa é de quem? A julgar por algumas notícias que surgem na comunicação social de vez em quando, a culpa é de algum responsável qualquer de uma instituição. Mas nunca dos Governos que provocam esta situação, pois claro.
Imagine o leitor qual a maior emergência para o Governo? Aumentar os salários de quem trabalha no sector social e dos cuidados continuados e que há 8 anos não têm aumentos? Ou aumentar salários aos funcionários públicos que, apesar de tudo, tiveram aumentos, generosos, todos estes 8 últimos anos? A resposta é óbvia, mas não foi essa que o Governo escolheu nestes 7 meses de governação. Há 8 anos que recebemos as mesmas verbas do Ministério da Educação e este Governo manteve tudo igual. No sector social os aumentos anuais muitas vezes não chegam sequer para cobrir o aumento, obrigatório, do salário mínimo. Nos cuidados continuados têm sido vários anos sem aumentos e quanto existiram foram insuficientes.
Nos últimos 8 anos o Grupo Parlamentar do PSD apresentou propostas simpáticas de aumentos para os cuidados continuados em sede de negociação do OE. Sempre chumbadas pelo PS e pela extrema-esquerda. Agora é o PSD que está no Governo. Propostas de aumentos de preços por parte do PSD? Nada. Conclusão, tudo serve para a luta política antes e durante as eleições, mais do mesmo. Depois admiram-se de se dizer que os políticos são todos iguais. Onde anda a coerência?
Igualmente à data em que escrevo saíram dados estatísticos que informam que no 3º trimestre o salário médio bruto na função pública atingiu os 1.975€ e no sector privado somente 1.365€. Aproveito e informo também que no nosso sector não chega sequer aos 1.000€, apesar do “nosso patrão” ser exatamente o mesmo (o Governo). O leitor pergunta, mas então porquê tamanha discriminação. Eu respondo, é TIP (This is Portugal). Somos um sector que não se dá ao respeito, não faz greves não faz manifestações, não tem atenção mediática, logo não importa. E eu pergunto: O sector privado, com os seus impostos sustenta a máquina pública, e é quem ganha menos 610€ em média? Algo de muito errado nisto. Apelidei por várias vezes os Governos de Costa como sendo “os Governos da função pública”. O PSD é igual, apenas governa para a função pública, o resto que pague impostos e sustente todas as mordomias de uma classe que pouco trabalha (embora, felizmente ainda haja excepções) e passa a vida em greves que infernizam a vida dos restantes cidadãos (precisamente aqueles que os sustentam). Um paradoxo desta bandalheira a que chamam democracia.
E é este o retrato triste e miserável do 3.º sector em Portugal. Representado (por culpa das entidades, naturalmente) por protagonistas cuja maioria não percebe nada do sector, pois nunca trabalhou no directo, que tem uma visão miserabilista daquilo que devem ser os salários de quem nele trabalha, e que adora passear-se numa espécie de feira de vaidades junto do poder político com sorrisos e elogios enjoativos de quem é subserviente perante o poder, mas que não denuncia, como eu faço, tudo o que há de errado.
Até quando aceitamos este estado de coisas?