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A bolha de falsidade – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 17, 2024

Há algo de comovente, mas também irresistivelmente cómico, num país que de repente descobre que há cidadãos (longe o suficiente para falar mal deles) que votam em massa tendo em conta apenas os seus próprios interesses. Especialmente se esse país for Portugal. Lendo algumas análises sobre a vitória de Trump, é impossível conter o riso, não tanto por ver jornalistas e a imprensa a entrarem em estado de coma mental com a reeleição de Trump, mas porque a maior parte daqueles que escrevem sobre as eleições nos EUA, são os mesmos que explicam tudo a partir da perspectiva dos erros que eles próprios cometeram (e cometem) ao longo da sua vida jornalística e mais além.

É o caso, por exemplo, de Manuel Carvalho no Público ou de Pedro Marques Lopes na Visão. Eles, que até ontem não tinham compreendido nada sobre Trump, nada sobre quem venceria, nada sobre o que estava a acontecer nos EUA, querem explicar-nos porque é que Trump venceu.

Então. O leitor sabe porque Trump venceu, segundo Manuel Carvalho? Porque os jornalistas não foram suficientemente tendenciosos. Não é de génio? Estamos a falar de um jornalista, que já foi director do Jornal que o próprio tantas vezes afirmou que se rege pelos princípios da imparcialidade e independente de poderes públicos e particulares, e que descobriu agora que Kamala Harris perdeu porque o “enviesamento do jornalismo” tuga e internacional não passou de 99%, e, portanto, a democracia está agora em perigo.

Mas mais lindo é o artigo do Pedro Marques Lopes, intitulado, “A vontade do povo americano é acabar com a democracia”.  Diga lá se não é um raciocínio digno de um Prémio Pulitzer? Como é que ninguém pensou nisso? Como é que ninguém se lembrou de que para manter a democracia viva seria preciso que a autoexclusão ou o abstencionismo chegasse a 100% dos eleitores?

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Uma democracia sem povo, esvaziada da sua função, ou melhor ainda, ocupada por uma elite a anos-luz de distância da classe trabalhadora e das camadas mais marginalizadas da população, incapaz de dar voz ao pluralismo, em suma, uma pseudodemocracia, é o que estes dois bons e sinceros democratas propõem nas suas enésimas cambalhotas para actualizar a propaganda (em nome das suas carreiras) no sentido de impedir o Inimigo à espreita, o Mal Absoluto que se aquece à margem. Ou seja, tudo o que a democracia não é.

Não seria menos degradante, para estes acérrimos defensores da cultura woke e adeptos da liberdade de escolher o próprio género, tentar perceber-se como vencedores? Talvez funcione.

Porque o que já não funciona é a homologação de intelectos e corações ou a apresentação da realidade daquela forma unilateral, mais tarde negada pelos factos. De um lado o Mal Absoluto destinado à derrota, do outro, o Espírito do Mundo (sentado numa qualquer redacção) com a pretensão de se afirmar como um “centro moral” imparável.

É insano ver aqueles que pretendem dar uma orientação ética e justificar a restrição das liberdades com base nela, continuar à espera que os cidadãos percebam a realidade da mesma forma que eles e que farão tudo o que o/a seu/sua Senhor/a mandar. Em vez disso, ninguém os ouve e menos ainda compram os seus jornais. As pessoas preferem cuidar da própria vida do que apoiar um sistema que não reconhecem e odeiam. Têm todo o direito de o fazer e, numa democracia saudável, não devem ser as pessoas que mudam, mas sim a política. Uma democracia saudável compreende o descontentamento e tenta representá-lo, e não suprimi-lo, como pretendem fazer os milicianos progressistas. A democracia deve expressar genuinamente a vontade do povo, quer os senhores Manueis Carvalho e Pedros Marques Lopes deste mundo gostem ou não.

O leitor pensará que fiquei contente com a vitória de Trump. Mas não é o caso, estou a falar de política. Na política, não nos devemos deixar dominar pelas emoções ou pelas aparências, mas pela lógica e pelo bom senso. Acima de tudo, estar atentos aos factos. E o que os factos nos dizem é que no seu mandato anterior, os EUA cresceram e o mundo correu menos risco de guerra; na verdade, Trump nunca embarcou numa guerra, ao contrário daqueles que o precederam e daqueles que se seguiram. No entanto, a agenda do establishment que é ditada todos os dias em todos os gabinetes, à luz do sol e dos meios de comunicação, anunciava o apocalipse, a III Guerra Mundial, a morte da democracia, da liberdade de expressão e assim por diante.

Desta vez, a agenda ditou que todos deviam participar activamente da farsa democrata de tentar esconder a verdadeira condição física e mental de Joe Biden, evidentemente por julgarem os eleitores tão estúpidos, mas tão estúpidos, que não perceberiam nada até às eleições. Quando não foi mais possível continuar essa farsa, participaram de uma segunda: a de passar a ideia de que Kamala Harris era uma estadista, e representaria a mudança requerida pelos cidadãos, apesar de ser vice do pior presidente dos EUA, controlado remotamente.

Kamala não tinha nada a dizer, a mudar, a acrescentar. Tinha apenas o activo de ser a primeira mulher e negra a disputar a Casa Branca. Um simbolismo sem qualquer valia para aqueles que têm de fazer uma hipoteca para comprar meia dúzia de pães, no entanto, foi o suficiente para as TVs e jornais impedirem qualquer opinião dissonante ou qualquer manifestação pelo candidato que venceu as eleições. Jeff Bezos foi linchado depois de anunciar que o seu jornal, The Washington Post, permaneceria neutro e não tomaria partido na Casa Branca. Elon Musk (até ontem um cavalheiro, um self-made man, um grande liberal, desde que fosse próximo deles, como Zuckerberg e Bill Gates) é linchado todos os dias desde que comprou o ex Twitter. Antigamente, a neutralidade, a equidistância, era considerada um sinal democrático de liberdade e respeito ao voto, mas em vez disso tornou-se um acto de infâmia e cumplicidade com o Mal Absoluto.

E isto vai muito além de Trump ou do voto do povo americano porque revela um sistema, uma forma de pensar, que nos faz sentir como se vivêssemos dentro de uma bolha de falsidade, engrossada pelo ódio ideológico, alterada pelo partidarismo e tornada opaca pelo silêncio conivente das elites.





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