• Sáb. Nov 23rd, 2024

Feijoada Politica

Notícias

“A cultura de discípulo-mestre é um território fértil para assédio” – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 22, 2024

Membro da direção da associação de profissionais das artes cénicas, Sara admite que um dos fatores para a perpetuação do silêncio é a normalização de certos comportamentos. “Existe uma cultura no setor de que certas formas de violência fazem parte da criação artística. Isto começa logo nas escolas, que são revestidas de pedagogia artística a dizer-nos que temos de perder o pudor em relação ao nosso corpo, em que o consentimento não é tido nem achado”, elucida. “Numa aula não existe uma negociação”, aponta. “As pessoas sabem que se disserem ‘eu não estou disponível’ são piores atores. Existe uma cultura base de discípulo-mestre, de adoração, que é um território muito fértil para o assédio”, diz.

“As pessoas acham que é um privilégio ter aulas com não sei quem. Não se veem como trabalhadores normais. Estamos numa espécie de bolha porque somos artistas e as leis que lá fora existem aqui dentro não se aplicam. Esta incapacidade de trabalhadores não se verem como trabalhadores é o que leva a gritos nos ensaios, pessoas que são coagidas a determinadas coisas sem querem em nome da arte ou do espetáculo”, descreve. “Cenas em que há graus de nudez, de intimidade, que são expostas sem que isso seja acordado são práticas completamente normalizadas e deve haver muito pouca gente com experiência neste setor que não tenha sido assediado moralmente, pelo menos. É praticamente impossível”.

Para a porta-voz da Plateia, a base de tudo está na informação prestada às vítimas. “Há este clima tenso, as pessoas quererem pôr cá para fora nomes. Partilho este sentimento de frustração e raiva, é muito duro. Mas penso que a posição da Plateia tem sido primeiro a de passar toda a informação às pessoas sobre o que está em causa ao fazer denúncias públicas”, diz, lembrando que a Plateia tem organizado sessões sob o tema do Assédio nas Artes Performativas com a advogada Joana Neto, especialista em direito laboral.

“Temos de começar de trás, nas escolas, pela informação, pelo conhecimento, não só aos alunos, mas aos professores”, continua. “Sabemos que há pessoas que desistiram de ser atores”, lamenta.

Em comunicado, enviado ao Observador, o movimento We need to know Porto, que está a gerir o canal de denúncias e o e-mail focado no universo teatral, o objetivo é claro: “Zelar pela segurança de todas as pessoas.” “Somos artistas que convivem, sofrem e testemunham diversas formas de violência no setor. O ativismo é essencial para proteger a integridade de outrém, desafiar e combater narrativas que culpabilizam as vítimas, impedir a normalização de abusos de poder e compreender a interseccionalidade da luta. Fazemos um apelo àqueles que, na comunidade artística, encobrem casos de assédio e protegem pessoas abusadoras, e aos que veem o movimento #MeToo como uma ameaça que ‘destrói’ a vida dos acusados: se o vosso trabalho continua, é possivelmente à custa da exploração de pessoas vulneráveis ou por cumplicidade com isso. As únicas vidas verdadeiramente destruídas são as das vítimas, que há anos são silenciadas e marginalizadas no setor”, lê-se no texto que termina com uma nota de repúdio “por professores, encenadores, intérpretes e diretores artísticos que praticam ou ocultam situações de assédio e abuso”.





Source link

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *