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quatro histórias de Tom Jobim contadas por Ruy Castro – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 24, 2024


Já toda a gente o sabe: Antonio Carlos Jobim, o tal que — como dizia o outro grande — foi grande criador de, não toda, mas boa parte da música brasileira, aquela que o próprio escreveu e toda a outra que veio depois, inspirada, apaixonada e em contínua admiração. Ou então há quem o não saiba. E sorte a de quem só agora vai descobrir Jobim, bem-aventurados os que têm a graça de receber estas canções pela primeira vez.

Isto para dizer que a história do homem e da música não é nova, está nos discos, na memória, nas biografias, na internet, em toda a parte. Daí que este livro de Ruy Castro não cumpra tal função, não foi para isso que foi feito. Primeiro: não foi pensado como um livro, é uma coleção de textos publicados ao longo de vários anos — sejamos precisos, são textos nascidos entre 2007 e 2023 no jornal brasileiro Folha de São Paulo. Segundo: não é uma biografia, é um mapa de vida e musical que talvez possa ser caracterizado como biográfico porque revela várias faces de Tom Jobim. Episódios, peripécias, companhias, canções, detalhes.

É fruto de quem esteve muitas vezes com o artista, de quem o conheceu e o entrevistou em múltiplas ocasiões. Ruy Castro, cronista do Brasil, apaixonado por bossa nova (o mesmo que lhe escreveu a melhor história), biógrafo cuidado, amante de futebol, a pessoa mais acertada para escrever 99 histórias sobre este Antonio Carlos. Dessas, revelamos aqui quatro.

A capa de “O Ouvidor do Brasil: 99 Vezes Tom Jobim”, de Ruy Castro (Tinta da China)

Para a história: qual foi a primeira vez que o nome de Antonio Carlos Jobim apareceu em jornal ou revista? Pode não ser uma pergunta de que dependa o futuro da música popular, nem da bossa nova, nem da biografia de Tom. Por que, então, fazê‑la? Porque aos biógrafos compete fazer perguntas, até as mais bobas, desde que nunca tenham sido perguntadas. Donde qual foi a primeira vez que o nome de Antonio Carlos Jobim, nascido em 1927, apareceu na imprensa?

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Teria sido em 1958, quando João Gilberto gravou, de Tom e Vinicius, Chega de saudade e dividiu o átomo? Ou em 1956, quando o musical Orfeu da Conceição, também de Tom e Vinicius, estreou no Municipal? Ou em 1954, quando Tom e Billy Blanco se revelaram com a Sinfonia do Rio de Janeiro e o samba Teresa da praia? Não. É bem provável que, antes disso, o nome de Tom já tivesse saído em algum tijolinho de jornal como pianista de uma das boates em que ele deu duro na noite carioca a partir de 1950.

Mas houve uma instância ainda muito anterior. Foi na revista O Malho, de 31 de maio do quase pré‑diluviano 1934. Um poeta chamado Jorge Jobim publicou um poema, «Vem cá, siriri», que, em seus versos finais, dizia: «‘Vem cá, siriri/ As moças te chamam, tu não queres vir…’// Ah! Que é feito das meninas/ Que essa cantiga cantavam?/ Estarão vivas ou mortas?/ Desgraçadas ou felizes?// Coitadas! Vivas embora/ Como eu, as pobres meninas/ Já estarão quase mortas/ Porque hão de estar quase velhas!// E não de seus lábios frescos/ Mas do meu coração gasto/ Sai, longínqua e dolorida/ Essa cantiga de outrora:// ‘Vem cá, siriri,/ As moças te chamam, tu não queres vir…’.»

Versos penumbrosos e pessimistas, falando de morte. Mas que Jorge Jobim (1889‑1935), num assomo de amor, dedicou a seu filho de sete anos: «Para o meu Antonio Carlos.»

Se tivesse que ser definido por completo, Antonio Carlos Jobim deveria ser classificado como compositor, letrista, maestro, arranjador, pianista, cantor e, tome nota, piador. Sim, piador. Um recorte enviado por meu amigo João Antonio Buhrer, de Campinas, me alertou para essa qualidade quase despercebida no rol de gostos e aptidões de Tom: o domínio da arte de piar, usando complexos pios artesanais para conversar de igual para igual com seus irmãos de asas. Cada pássaro, um pio — uma língua diferente.

Em Nova York, passeando pelo Central Park, Tom promovia uma congregação binacional entre os passarinhos americanos e brasileiros, identificando‑os pelo canto e chamando‑os por seus nomes em inglês e português. Robin era o pintarroxo, nightingale, o rouxinol, quail, a codorna. Mais difícil era saber como se chamavam certos pássaros brasileiros em inglês.

Como traduzir, por exemplo, a variedade dos nossos urubus? Segundo ele, só o jereba tinha 30 nomes. Em jovem, nas suas incursões pelo mato, Tom piava inhambus, mas para matá‑los. «O inhambu vinha todo apaixonado e eu o matava à traição», confessou. Era uma prática comum aos rapazes de sua geração. Mas, mais cedo do que muitos, ele enxergou a desumanidade daquilo. Continuou a piar vários pássaros, mas já então para firmar com eles um diálogo de amor.

A faixa O boto, em seu álbum Urubu, de 1975, é uma sinfonia de pios. Se, ao ouvi‑lo, você não percebeu, é porque eles foram integrados com tal naturalidade à orquestração que só podem ser «escutados» pelos muito atentos. Mas estão lá no disco, e executados pelo próprio Tom, quem mais? Os pios que usava eram de ipê ou bambu, torneados por seus fornecedores: os velhos artesãos piadores da Fábrica de Pios de Aves, de Cachoeiro de Itapemirim (ES), da qual ouviu falar por outro piador impenitente: Rubem Braga.

Os tico‑ticos, jerebas e patos‑pretos o entendiam. Tom era multilíngue — piava todos os pios e conversava até com o macuco, que, exceto ele, ninguém nunca viu.





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