1 Celebramos hoje os 49 anos do 25 de Novembro de 1975 — por outras palavras, a derrota do projecto revolucionário de “democracia popular” e a vitória da democracia liberal e constitucional que tinha sido anunciada e prometida pelo 25 de Abril de 1974.
2 Escrevi aqui (a 29 de Abril pp.) que, por amável coincidência, tinha celebrado os 50 anos do 25 de Abril em Oxford, no St. Antony’s College, num jantar formal (“Fellows’ Dinner”), que teve lugar na noite de 24 de Abril. E recordei como tinha sido simplesmente impressionante e comovente o carinho que todos os presentes quiseram exprimir aos 50 anos do 25 de Abril — logo que se deram conta da feliz coincidência.
3 Acontece que, poucas semanas depois, a 21 de Maio, tive oportunidade de celebrar, também em Oxford, o 25 de Novembro de 1975, em estreita associação com o 25 de Abril de 1974.
Tratou-se de uma conferência no European Studies Centre do mesmo St. Antony’s College, sobre as “Transições à Democracia em Portugal, Espanha e Grécia”.
Nesta conferência tive oportunidade de recordar os dois conceitos de democracia — ‘popular’ vs. ‘constitucional’, digamos assim — que se confrontaram em Portugal entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975.
4 Tive então o prazer e o privilégio de recordar que o meu orientador de doutoramento em Oxford — Lord Dahrendorf, então Warden do Colégio — tinha refletido longamente sobre o contraste entre os dois conceitos de democracia:
“Democracia. Nenhuma outra palavra resume melhor os sonhos dos revolucionários na Europa nos últimos 200 anos. No entanto, democracia tem dois muito diferentes entendimentos.
“Um é constitucional, um arranjo através do qual é possível mudar de governos sem revolução, através de eleições, parlamentos e afins. O outro entendimento de democracia é muito mais fundamental: a democracia tem de ser autêntica; os governos têm de regressar ao povo; a igualdade tem de ser real. Aqui está o sonho Rousseauniano da ‘Volonté Géneral’ que inspirou os revolucionários da França em 1789, uma ‘Vontade Geral’ que misteriosamente conduz todos a concordar sem recurso à força e ao constrangimento.” [“Must Revolutions Fail?”, George Orwell Lecture, 15 de Novembro de 1990].
5 Estes dois conceitos de democracia geraram dois tipos de revoluções, continuou Dahrendorf.
Por um lado, tivemos as Revoluções (relutantes) de 1688, em Inglaterra, e de 1776, na América. Por outro lado, tivemos a (ardente) Revolução Francesa de 1789 e a (ardente) Revolução soviética de Outubro de 1917.
A principal diferença, recordou Dahrendorf, pode ser resumida assim: nas (relutantes) revoluções inglesa e americana, os revolucionários morreram na cama; nas (ardentes) revoluções francesa e soviética os revolucionários mataram-se uns aos outros e deram lugar a ditaduras em nome do povo e contra as chamadas “elites”.
Uma outra distinção foi recordada por Dahrendorf. As revoluções de 1688 e de 1776 foram constitucionais, burguesas, ‘boring’, e visaram criar um quadro geral de regras de pluralismo civilizado. As revoluções de 1789 e de 1917 foram fundamentalistas, populares, excitantes (por contraste com ‘boring’) e visaram um modelo final de perfeição revolucionária a ser alcançado. [Uma reflexão aprofundada sobre as diferenças entre estas revoluções poderá ser encontrada no livro que acaba de ser publicado pela distinta Editora Tribuna da História Sobre Cinco Revoluções da Era Moderna: Inglesa (1688), Americana (1776), Francesa (1789), Portuguesa (1820) e Russa (1917).]
6 Lord Quinton tinha sumariado celebremente esta distinção entre as quatro revoluções da era moderna. Disse ele que as ideias de John Locke tinham produzido em Inglaterra (1688) uma revolução conservadora-liberal, e na América (1776), uma revolução moderada; mas, quando as ideias de Locke atravessaram o Canal da Mancha (a que ele chamou ‘English Channel’), elas produziram o ‘efeito de álcool em estômago vazio’.
7 Álcool foi certamente servido em abundância no jantar formal, ‘High Table’, que se seguiu à conferência de 21 de Maio no St. Antony’s College sobre as transições à democracia em Portugal, Espanha e Grécia. Mas não em estômago vazio.
Opiniões diferentes foram conversando de forma civilizada — e, sobretudo, sem ninguém ousar levantar a voz. Tive o prazer e o privilégio de propor um brinde ao 25 de Abril e ao 25 de Novembro em Portugal, à democracia liberal e constitucional. E o brinde foi celebrado com Port Wine (sempre civilizadamente circulando em ‘decanters’ da direita para a esquerda).
8 Acontece, finalmente, que por muito feliz coincidência celebraremos proximamente os aniversários de dois grandes democratas liberais — um mais à direita, outro mais à esquerda, mas ambos contra os autoritarismos da extrema direita e/ou da extrema esquerda. Refiro-me aos 150 anos do nascimento do conservador-liberal Winston Churchill (30 de Novembro de 1874) e aos 100 anos do nascimento do socialista-liberal Mário Soares (7 de Dezembro de 1924). Voltarei seguramente a estas cruciais efemérides.