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Portugal. Um futuro renovado e com tempo – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 25, 2024

O futuro do meu país é o futuro dos meus filhos e, como mãe, o que mais desejo é que eles e as futuras gerações de portugueses consigam realizar os seus sonhos. Que cumpram os seus sonhos profissionais, contribuindo com os talentos de cada um para o avanço do país.

Desejo ainda que tenham mais tempo. Tempo para desfrutar da vida, da companhia de uns dos outros e tempo para contemplar, observar e pensar, na sua mais forma mais pura, como Simone Weil descreveu: um pensamento que começa vazio, nada procurando, mas pronto para receber a verdade.

Nesse tempo futuro desejo que no nosso país se encontre a possibilidade de quem quiser ter filhos, que os tenha.

Sendo mãe de quatro crianças com seis e [trigémeos de] sete anos leio com preocupação dois dados que denotam um dos principais desafios com que Portugal se depara e que terá seguramente impacto nas décadas que se seguem:

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  • Prevê-se que o país tenha em 2070 uma população inferior a nove milhões de habitantes, tendo um terço deles 65 ou mais anos;
  • Um inquérito de 2019 realizado pelo INE e atualizado em 2023 indica que as famílias portuguesas desejam ter mais filhos. Mas, questionados sobre as condições que os impedem de o fazer, identificam questões financeiras (salários baixos, habitação e cabaz alimentar extremamente elevados) e, mais uma vez, o tempo – horários e condições laborais e falta de tempo com a família.

Um dos grandes privilégios de viajar pelo mundo levando e partilhando a expressão da consciência humana através de sons é que isso me permite observar como outras sociedades encaram o quotidiano. Se caminharmos pelas ruas de uma cidade do norte da Europa a meio da tarde observamos que todos os progenitores cujos filhos frequentam o jardim de infância e o primeiro ciclo têm a possibilidade de ir buscar as crianças, sem necessidade de recorrer a prolongamentos escolares.

Nessas mesmas cidades nórdicas observo ainda que não existem muitas pessoas a trabalhar depois das 17h00. Isto, para mim significa três coisas: uma cultura de alta produtividade profissional; uma cultura de conciliação de vida pessoal (individual ou em família) e profissional; uma cultura de valorização da presença familiar nas primeira e segunda infâncias das crianças.

Em 1998 emigrei para os EUA. Fi-lo por vontade de valorização académica e profissional, não por obrigação.

Observando com preocupação os índices de emigração da nossa população, o meu desejo é que muitos mais músicos vejam os seus sonhos cumpridos em Portugal, se for esse o seu desejo. O ensino da música no país é de excelente qualidade. Essa qualidade musical e humana é expressa cá dentro, nos agrupamentos musicais em todo o país e pelas posições que os nossos músicos vão ocupando em orquestras pelo mundo fora.

Se me é permitido sonhar, sonho que Portugal tenha pelo menos o mesmo número de orquestras que a Suécia, país com a mesma população. Contei quatro casas de ópera e 19 orquestras profissionais na última vez que lá estive.

Além das objetivas oportunidades que se geram para os artistas do país, o impacto económico de uma forte economia cultural é claro, bem como o bem-estar que gera na população e o impacto que tem na nossa memória. Afinal, foi Eça de Queirós que nos lembrou que “a arte é tudo porque só ela tem duração”. Se nos lembrarmos de quem somos daqui a cem ou duzentos anos é porque um compositor, poeta, escultor ou pintor o expressou através da sua arte.

Neste capítulo e ainda sobre as crianças, se me é permitido continuar a sonhar, o meu desejo é que em cada escola haja pelo menos um coro, objetivo muito realista e alinhado com as direções programáticas do primeiro ciclo do ensino básico que sugerem que a aprendizagem musical se deverá centrar na voz e no canto, interligando-se com o corpo e movimento.

São evidentes — e cientificamente estudados — os benefícios da prática e ensino musicais no desenvolvimento intelectual e social e vão ao encontro de uma expressão norte-americana de que me recordo há décadas: “music = brain power”.

Além disso, tocar ou cantar em conjunto e a vontade de criar um bem maior a nós próprios serve um propósito comum superior a convicções pessoais – embora estas sejam fundamentais neste exercício. A isso, em música, chamamos progresso.

Na orquestra, somos todos iguais, ou quase iguais, não fosse este agrupamento provido de uma hierarquia importante para o seu eficaz funcionamento.

Mas, em todo o caso, é um exercício de respeito, cedência e empatia que, se transversal a todos e vivido desde a infância, poderá ajudar na revolução da ternura a que fomos chamados pelo Santo Padre há uns anos: “como seria belo se todo o avanço galopante que experimentamos dia após dia, fosse acompanhado por um avanço galopante na igualdade e na forma como tratamos os outros. Como seria belo se à medida que encontramos novos planetas conseguíssemos verdadeiramente olhar para os que orbitam à nossa volta.”

Joana Carneiro foi maestrina convidada principal na Orquestra Metropolitana de Lisboa, maestrina regente convidada da Orquestra de Música da Gulbenkian, maestrina assistente da Filarmónica de Los Angeles e diretora musical da Orquestra Sinfónica de Berkeley. É atualmente maestrina principal da Orquestra Sinfónica Portuguesa. É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.





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