A história entre ambos terá começado com um fortuito encontro numa piscina de motel em Tucson, no Arizona, em 1976. “Achei que ele me parecia familiar, mas não pude precisar de onde. Quando voltei para a casa onde estava, percebi que o homem na piscina era o homem na fotografia de autor na contracapa do livro que estava a ler, O Guarda do Pomar”, o romance de estreia de McCarthy, publicado originalmente em 1965.
No dia seguinte, regressou à piscina do motel na esperança de encontrar o autor para que este lhe assinasse o livro. McCarthy estava lá e autografou a cópia. Ao fazê-lo, reparou que a jovem de 16 anos trazia à cintura um revólver Colt. Questionada sobre o porquê de estar armada, Britt revelou que era vítima de abusos desde a infância, passada entre o cuidado dos pais negligentes e várias instituições e famílias de acolhimento que a maltratavam. “[A certa altura] decidi que nunca mais me iam bater. Que ia disparar sobre quem tentasse”, recorda.
Ao longo das semanas e meses que se seguiram, os dois terão mantido contacto por telefone e correspondência, com McCarthy a fazer várias viagens a Tucson para a ver. Segundo Britt, a curiosidade do escritor pela sua história de vida rapidamente deu lugar a um romance e a uma influência decisiva nos trabalhos que se seguiram. De acordo com Barney, serão pelo menos 10 as obras, entre a literatura e o cinema, e dezenas de personagens que contêm referências mais ou menos diretas à vida de Augusta.
Eventualmente, após mais um episódio de violência, McCarthy terá decidido abandonar os EUA com a sua “musa” rumo ao México, motivado em parte pelo facto de o FBI o estar a investigar por abuso e solicitação sexual da menor (a fuga acabaria por fazer parte do enredo de Cavalos Bonitos, o primeiro livro na Trilogia da Fronteira). Para tal, terá mesmo forjado um documento de identificação para que Britt passasse por maior de idade e pudesse sair com ele do país. Os dois acabariam por ficar no país até a jovem completar 18 anos (foi também no México que terão tido relações sexuais pela primeira vez).
Britt admite, que nos anos se seguiram se sentiu incomodada com o facto de servir de “inspiração” a McCarthy. “Senti-me algo violada. Todas estas experiências dolorosas que eram minhas, regurgitadas e reconstruídas em ficção. Não sabia como falar com o Cormac sobre isto porque ele era a pessoa mais importante da minha vida. Pensei se era só aquilo para ele, uma pessoa desequilibrada sobre a qual ele podia escrever”.
Pese embora a natureza ilegal da relação e a diferença de 28 anos entre os dois, Augusta Britt garante que a relação foi sempre consensual e que não se considera uma vítima. Descrevendo Cormac McCarthy como um “protetor” e “o homem da sua vida”, a “musa” viria a separar-se do seu autor alguns anos mais tarde, mas os dois continuaram em contanto regular nas décadas que se seguiram e até à morte de McCarthy aos 89 anos, e Augusta foi um dos nomes que constou no seu testamento.
Se a história de Augusta Britt foi recebida com choque por muitos dos leitores que tinham McCarthy como referência máxima da literatura norte-americana do último meio século, o mesmo não pode ser dito pelo círculo íntimo do autor. Laurence Gonzales, amigo de longa data e o seu biógrafo oficial, afirmou ao New York Times que “todos sabiam da Augusta, mas mantiveram segredo. (…) Eles conheceram-se quando ela era tão nova, uma criança abusada que tinha fugido de casa, e o Cormac estava na casa dos 40. Era uma situação que ficaria mal vista de várias formas”.
A presença de Augusta Britt na correspondência de McCarthy e dos seus amigos e colegas do meio literário é corroborada por biógrafos e investigadores que estudam a vida e obra do autor, e para quem a existência desta amante secreta era conhecida. Por outro lado, os especialistas admitem não estar convencidos quanto à alegada extensão da influência de Britt na obra de McCarthy. “Do meu ponto de vista, há algumas coisas muito esticadas [no texto da Vanity Fair]”, afirmou o investigador e professor universitário Bryan Giemza. “Não me parece que seja assim que a imaginação de um artista funciona. O mais certo é que todas essas personagens sejam compostas de várias pessoas.”