No dia em que o Governo sentiu a derrota em várias matérias, foram os partidos que o apoiam que saíram com duas vitórias relevantes. E, assim, ficará no Orçamento do Estado para 2025, que entra em vigor a 1 de janeiro do próximo ano, a descida do IVA das touradas, de uma taxa máxima de 23% para uma taxa reduzida de 6%, e o fim do corte dos salários dos políticos.
A primeira reverte uma decisão de 2020 que colocou o IVA na taxa máxima, no âmbito do orçamento do Estado para esse mesmo ano, apesar de um grupo socialista estar contra (mas a disciplina de voto determinou que votassem favoravelmente a subida do IVA). Foi no segundo governo de António Costa que o IVA subiu.
Touradas. 40 deputados do PS votam contrariados subida do IVA
Agora, a direita conseguiu reverter a decisão. Com os votos a favor do PSD, CDS, Chega e PCP a proposta passou. O PS absteve-se. Bloco, Livre e PAN votaram contra.
A aliança do Chega à AD permitiu a aprovação da medida que volta a colocar o IVA das corridas de touros nos 6%. Segundo a UTAO, esta descida terá um custo de pouco mais de 110 mil euros, um valor que mereceu a desconfiança de Inês Sousa Real, coordenadora do PAN, que pediu mais informações à UTAO.
Parlamento aprova descida do IVA nos bilhetes para as touradas para 6%
O PAN já disse, também, que vai fazer queixa ao Comité do IVA, em Bruxelas, por considerar que é ilegal a tauromaquia ter este IVA. PSD e CDS justificaram a medida por considerarem que “a atividade tauromáquica é objeto de uma discriminação negativa no âmbito das taxas de IVA aplicadas nas entradas em espetáculos culturais, dado que é o único espetáculo cujas entradas estão excluídas da taxa reduzida de IVA”. Em Portugal, a lei que define as atividades culturais integra a tauromaquia. Aliás, isso mesmo lembrou Miranda Sarmento, ministro das Finanças, a Sousa Real na discussão orçamental.
Uma outra proposta que vai marcar o Orçamento do próximo ano também acaba por ser emanada do Parlamento. Os dois principais partidos aceitaram pôr fim ao corte de 5% dos salários dos políticos assim que o orçamento entrar em vigor, em janeiro. O PS, inicialmente, ainda admitia aceitar esta reversão mas só para mandatos futuros, mas acabou por fazer um acordo com PSD/CDS para que essa determinação caísse. E assim os salários dos políticos vão voltar a ter os 5% que foram cortados em 2010 quando Portugal já lutava numa crise financeira que levou no ano seguinte a pedir auxílio à troika.
Políticos deixam de ter corte de 5% nos salários a partir de janeiro
Na votação desta quinta-feira, PS, CDS, PSD e PAN votaram a favor da reposição dos 5% no salário, garantindo a maioria que derrotou o “não” do Chega, da IL, do Bloco e do Livre. O PCP absteve-se. A IL defende que os salários dos políticos devem ser fixados por entidade independentes. E o Chega já tinha indicado que votaria contra (aliás o partido fez uma proposta em sentido inverso para cortar os salários em 12,5%), com o compromisso de André Ventura de que todos os deputados do partido vão prescindir dos 5% que constarão do salário em janeiro.
Pelo caminho nas votações na especialidade ficaram outras propostas, nomeadamente a da IL que pretendia indexar o salário do Presidente – e consequentemente dos restantes políticos – à evolução da remuneração base bruta mensal média dos trabalhadores. Ou ainda cortar, tal como o PCP também pretendia, a subvenção dos partidos políticos. A IL ia mais longe na proposta para se acabar com as isenções fiscais e nas custas e taxas judiciais aos partidos, mantendo apenas a isenção de IRC, mas também não conseguiu ir para a frente. A IL, aliás, só conseguiu, no último dia de votação na especialidade aprovar uma proposta, que repõe o valor para o desporto nos 54,5 milhões de euros. A versão original do Orçamento tinha um corte para esta área que o Governo disse ser um erro, mas que os partidos acabaram por corrigir (e havia várias propostas no mesmo sentido).
Ainda ameaçou ser uma coligação negativa que a banca não queria nem ouvir falar. Chega e PS tinham propostas sobre as comissões que os bancos aplicam nas amortizações antecipadas do crédito à habitação. O Chega queria um limite de 0,5% para todas as amortizações; o PS queria isentar os pagamentos antecipados nos créditos a taxa variável e limitar a 0,5% na taxa fixa – o que já era uma alteração face à pretensão inicial de isentar em todos os créditos à habitação independentemente da taxa. A isenção de comissões está em vigor até ao final deste ano, tendo sido implementada como medida de mitigação da subida das taxas de juro. E vai mesmo chegar ao fim, já que tanto a proposta do Chega como a do PS chumbaram. A proposta socialista acabou derrotada pela coligação da AD e do Chega que votaram contra. Já na proposta do Chega a aliança foi entre AD e PS.
Comissões na amortização de créditos à habitação voltam em 2025. Chega alia-se à AD para chumbar proposta do PS
Outras propostas (muitas) de alteração ficaram pelo caminho. De um total de 2.160 que entraram, foram aprovadas pouco menos de 250. Contribuições extraordinárias sobre setores nem foram agravadas nem revogadas. Também não foi desta que os adicionais ao IUC e ao IMI deixaram de existir. Ou que as taxas gerais de IVA baixaram. E, no dia em que o Governo aprovou em Conselho de Ministros o aumento do salário mínimo para 870 euros, no Parlamento rejeitavam-se subidas mais acentuadas.
Quatro dias de votação na especialidade com muitas horas a votar artigos e propostas de alteração. Mais de 2.160 com o Chega a apresentar mais de 600 propostas; o PCP mais de 500; o Bloco cerca de 300; o Livre 260 e o PAN 230. A IL apresentou cerca de 80; o PSD e CDS 75 e o PS 44.
Mas foi precisamente do partido do Chega – que apresentou o maior número de alterações para votação – que, no final das votações na especialidade, o deputado Rui Afonso fez o apelo para que no futuro “o processo seja mais simples e menos tortuoso para todos”, dizendo estar a escalar “para níveis nunca antes vistos”, apelando para a revisão por parte dos partidos do processo que apelida de “calvário”.
Já na sessão plenária, Bernardo Blanco, da IL, tinha deixado o apelo para que no próximo orçamento se repensasse “sobretudo a submissão de propostas, a maioria nem sequer é digna de orçamento, muitas são parágrafos sem qualquer tipo de impacto orçamental, não deveriam sequer ser aceites. Dão trabalho a toda a gente, desde serviços aos deputados que perdem tempo a analisar parágrafos que não têm impacto orçamental e não fazem parte do processo orçamental”.
No próximo ano, no entanto, o processo poderá até já ser eletrónico. Isso mesmo desejou o presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, o socialista Filipe Neto Brandão, que no final dos trabalhos desta quinta-feira declarou que “gostaria que fosse um encerramento histórico”, já que poderá ter sido “a última vez que terá decorrido nestes trâmites”. Espera que a plataforma eletrónica de submissão e votação possa dispensar a votação de braço no ar e que possa estar operacional já no próximo Orçamento do Estado e “absorver os milhares de propostas se a Lei de Enquadramento Orçamental continuar a ser tão generosa quanto é relativamente à iniciativa parlamentar”.