Um grupo de médicos da região Norte colocou a circular uma carta aberta em que se insurge contra o que considera ser o “conflito de interesses” que envolve o coordenador do Plano de Emergência do Plano de Emergência para a Saúde, Eurico Castro Alves, e outros membros da secção regional do Norte da Ordem dos Médicos (da qual Castro Alves é presidente). Em causa está o facto de o médico que criou o Plano de Emergência integrar também, em representação da Ordem dos Médicos, o grupo de trabalho nomeado pelo Governo, há dois meses, para acompanhar a execução das medidas. Ao Observado, Eurico Castro Alves adianta que vai pedir para sair do grupo de trabalho, uma vez que, diz, a missão a que se tinha proposto “está cumprida”.
Na carta aberta, a que o Observador teve acesso, os médicos dizem que é “pública e notória a existência de conflitos de interesse em vários dirigentes da Secção Regional do Norte” e apontam baterias ao presidente daquele órgão, acusando Eurico Castro Alves de uma “lamentável de funções”. Na missiva, intitulada “Garantir a independência da Ordem dos Médicos: haja decência!” e que é dirigida ao bastonário dos médicos, Carlos Cortes, os subscritores acusam implicitamente os dirigentes da Ordem dos Médicos do Norte, nomeadamente Castro Alves, de “usarem o cargo para se constituírem simultaneamente como reguladores e autores do que regulam”. “Deve ou pode um órgão da Ordem dos Médicos ser gerido por profissionais que, ainda que legitimamente eleitos, usam o cargo para se constituírem simultaneamente como reguladores e autores do que regulam? Pode, mas não deve”, pode ler-se.
Eurico Castro Alves. O conciliador que gosta de praticar vela e tem a missão de apresentar o plano de emergência para o SNS
“Podemos continuar no silêncio perante todos estes conflitos de interesse e atropelos do código de conduta e deixar denegrir uma instituição centenária de interesse público? Não!”, insurgem-se os médicos. Um dos subscritores da carta, o médico neurologista Miguel Leão, diz ao Observador “há aqui um conflito de interesse no desempenho de funções de confiança política do governo e de representação da Ordem dos Médicos em avaliação de um projeto do governo”.
“Eurico Castro Alves foi o principal responsável pela elaboração do plano e agora é a pessoa que representa a Ordem no acompanhamento da execução desse plano”, critica o médico, sublinhando que existe uma “há aqui uma mistura que não é saudável para manter a independência da Ordem dos Médicos”.
Ao Observador, Eurico Castro Alves rebate as críticas e garante que “não existe nenhum impedimento legal” no facto de ter elaborado o Plano de Emergência para a Saúde e de fazer agora parte do grupo de trabalho que monitoriza a implementação das medidas. O médico cirurgião garante que o grupo de trabalho, nomeado pela ministra da Saúde, Ana Paula Martins, em setembro, não tem funções de fiscalização ou auditoria. “Aquilo não é uma comissão de fiscalização nem de inspeção, é um grupo que vai acompanhando os acontecimentos e verificando. Mas não tem autoridade nenhuma nem fiscaliza”, garante. “Há uma reunião de x em x tempo em que se verifica se as medidas estão a ser implementadas ou não”, explica.
Ainda assim, revela que vai pedir para sair do grupo de trabalho. “A minha vontade é sair rapidamente. Tenho muita coisa para fazer na minha vida pessoal e na Ordem dos Médicos”, admite Eurico Castro Alves.
Admitindo que algumas das dúvidas éticas que agora se colocam possam ser “legítimas”, o presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos adianta que vai pedir um parecer sobre o assunto à Comissão Nacional de Ética da Ordem dos Médicos. No entanto, a resposta daquele órgão interno não deverá ter influência na decisão de abandonar o grupo de trabalho. “Estou a refletir, mas mesmo que a Comissão diga que não vê problema, eu não tenho vontade de estar [no grupo de trabalho]”, diz Castro Alves, acrescentando que o grupo de acompanhamento “tem pessoas muito válidas e bem preparadas”.
“Eu já tinha intenção de sair, já tinha tomado a decisão de me substituírem. Já cumpri a minha missão. A minha vontade é afastar-me”, garante.
O cirurgião acusa os promotores da carta (cinco médicos da zona do Porto) de estarem a levantar o tema tendo em vista as próximas eleições para a Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, que devem ter lugar nos próximos meses. “Os autores desta carta são aqueles que tiveram uma pesada derrota nas eleições anteriores“, realça Castro Alves. A missiva foi colocada a circular pelo pediatra Jorge Amil Dias, pela oncologista Fernanda Estevinho, pelo imunoalergologista José Torres da Costa, pela pediatra Susana Gandra e pelo radiologista Carlos Pereira. Ao final da noite desta quinta-feira contava com mais de 270 assinaturas.
Na missiva, os médicos criticam também o Ministério da Saúde, por ter comprometido a independência da Ordem dos Médicos, ao ter envolvido altos dirigentes da Ordem em decisões de caráter político. “Quando o Ministério da Saúde introduz ao mais alto nível decisório e de aconselhamento pessoas com elevadas funções nos órgãos dirigentes da OM viola um saudável princípio de distanciamento e compromete irremediavelmente a independência que esta instituição deve manter. Todos os comentários perdem sentido quando se argumenta em causa própria. Haja decência!”, escrevem os médicos.
Miguel Leão reforça a discordância quanto ao alegado conflito de interesses que envolve Eurico Castro Alves. “Há um princípio geral: eu não me audito a mim próprio. Isto fragiliza a Ordem dos Médicos“, lamenta. Eurico Castro Alves garante que “está a haver uma mobilização muito grande de médicos” a seu favor e explica a discordância de princípio em relação aos autores da carta. “Acho que os médicos devem participar na vida ativa do país. Têm muito para dar e uma obrigação ética de darem os seus contributos. Ao longo do governo, os médicos deram sempre contributos, ainda que pontuais”, relembra. Em contraponto, diz, os autores da carta aberta ao bastonário dos médicos são “contestatários” e contra a colaboração com as tutelas da saúde.
Castro Alves, que foi secretário de estado da Saúde no curto segundo governo de Pedro Passos Coelho, recusa qualquer envolvimento motivado pela cor do partido do governo. “Os médios devem colaborar. Se fosse o Partido Socialista, a minha postura seria igual”, garante.