Como eram os dias antes de poder votar? Passava os dias a imaginar a concretização de um ato que idealizava vezes sem conta. Quando era pequeno, acompanhava o meu pai nessa tarefa, realizada na minha escola primária. Ficava na sala, observando-o solenemente a entrar no cubículo e a votar em alguém ou num partido que governaria o povo português. Julgo que foi assim que me explicaram o fenómeno da democracia na altura. Era ainda muito novo, a julgar pela simplicidade da explicação que me deram. Desde então, esperei com ansiedade o momento de estar no lugar do meu pai, colocando uma cruz em algo em que acreditava e que, em absoluto, representava as “vontades do povo”.
Hoje, com um olhar mais cínico, moldado pelo tempo, é quase comovente recordar a candura do pequeno Pedro perante o jogo político e partidário. Cresci numa família apaixonada pela política, especialmente o meu pai. Ao longo dos anos, fui acompanhando à distância as várias fases, os escândalos e os sobressaltos que marcaram a política nacional. Aos 18 anos, chegou a minha vez.
As eleições presidenciais de 2011 foram as primeiras em que pude votar. Uma corrida eleitoral morna, marcada por uma campanha previsível e sem chama, que parecia predestinada à vitória “sem espinhas” de Cavaco Silva. Recordo-me de estar algo nervoso no momento de votar. Conferi mais de cem vezes se tinha colocado a cruz no quadrado certo ou, melhor dizendo, naquele em que realmente queria votar. Estava deveras abalado pela solenidade do momento — ou, pelo menos, achava que estava.
O desfecho foi uma vitória inquestionável de Cavaco Silva. A única memória que me ficou foi Fernando Nobre, um dos candidatos, a ter um momento excêntrico ao afirmar que ninguém o faria desistir da eleição, disparando: “Nem que me dêem um tiro na cabeça.” De resto, não guardo grandes recordações da campanha, tal foi o marasmo. Esta primeira eleição foi, para mim, uma dura chamada à realidade: a política nacional não tinha o brilho ideológico de outras paragens ou de outros tempos.
Com as presidenciais de 2026 a aproximarem-se, pergunto-me se haverá uma eleição mais interessante ou apaixonada. Nas últimas semanas, têm surgido inúmeros nomes como potenciais candidatos ao Palácio de Belém. Não pondo em causa o inquestionável valor e a experiência de todos, parece-me que estamos prestes a viver mais umas eleições mornas.
Do lado da direita, Pedro Santana Lopes e Marques Mendes emergem como os nomes mais fortes. Santana Lopes representa o regresso da velha guarda, marcado pela experiência, arrojo e coragem amplamente reconhecidas. Já Marques Mendes surge apostado numa reedição de Marcelo Rebelo de Sousa, com um percurso idêntico tanto no Direito como no comentário político. O PS, por sua vez, parece querer revisitar o passado, sugerindo António José Seguro, talvez pela sua imagem de “boa pessoa”. Outra possibilidade para os socialistas é Augusto Santos Silva, uma figura experiente e respeitada, com forte apoio interno. Contudo, o favorito, segundo a última sondagem da Intercampus, é o Almirante Gouveia e Melo, um independente.
O facto de um militar independente ser o favorito é sintomático de uma sociedade cansada da política tradicional e da figura do típico político dos últimos tempos. Abre-se, assim, a porta a qualquer voz que venha de fora, mesmo que apenas aparentemente. Não critico as qualidades evidentes do Almirante Gouveia e Melo, que foi considerado o “herói da pandemia”, mas pergunto-me se esta tendência para depositar confiança em figuras exteriores ao sistema não é apenas uma manifestação de desgaste coletivo. Apesar de parecer exótico, Portugal poderá estar a inaugurar uma nova tendência na Europa: o regresso dos militares aos mais altos cargos de chefia política.
Afinal, desde 2011, pouco mudou, sobretudo no que toca ao entusiasmo pela política portuguesa. Parece-me que o foco da discussão deveria ser mais sobre ideias e projetos e menos sobre nomes atirados ao vento para preencher uma vaga. Este cenário não deixa de contrastar com as expectativas daquele pequeno Pedro. Questiono se estas esperanças depositadas numa figura independente trarão algo de verdadeiramente novo. É difícil prever.
A única certeza que tenho é que, ao entrar no cubículo para votar, já não fico nervoso.