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Onde houver integridade, a corrupção não prospera – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Dez 9, 2024

“A corrupção é a nossa proteção. A corrupção mantém-nos seguros e quentinhos. A corrupção é o motivo pelo qual tu e eu estamos aqui a conversar em vez de estarmos a lutar, na rua, por restos de carne. A corrupção é o motivo pelo qual nós vencemos.”

Esta citação é de uma personagem do filme Syriana, de 2005, que tinha como protagonistas George Clooney e Matt Damon. É um filme sobre a corrupção no mundo dos negócios do petróleo no Médio Oriente, onde, para ser exata, o diálogo começa assim: Temos leis contra a corrupção precisamente para que possamos escapar impunes.”

Recordo esta cena cinematográfica para dizer que para combatermos eficazmente a corrupção não nos bastarão mais leis, que embora feitas com boas intenções apenas venham servir para perpetuar um fenómeno que desejamos ver erradicado

A corrupção corrói os alicerces da democracia e do Estado de Direito, afeta a igualdade de oportunidades, prejudica a economia, diminui a coesão social. A corrupção é como uma doença: há ambientes que a propiciam e alimentam e há ambientes que a impedem e combatem.

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A corrupção vive do compadrio, da promiscuidade, do segredo, da falta de informação, da falta de uma comunicação social forte e independente, da linguagem cifrada, de códigos sociais não escritos. Mas a corrupção não prolifera onde houver regras, exigência, concorrência, sentido cívico, transparência, publicidade e escrutínio das decisões públicas.

O dia internacional contra a corrupção – proclamado há mais de 20 anos pelas Nações Unidas – serve para nos dizer que a batalha não está ganha. É preciso combater esta doença social. E é por isso que, desde a primeira hora, o Governo assumiu o propósito claro de promover um programa eficaz de prevenção e combate à corrupção. A 20 de Junho, o Conselho de Ministros aprovou a Agenda Anticorrupção, contendo medidas ambiciosas, mas realistas, para a prevenção, a educação e a repressão.

Um raciocínio mais simples diria que a forma de combater um crime é reprimi-lo, agravando as penas. Mas, sob todas as perspetivas, é muito mais benéfico para a sociedade evitar que a corrupção aconteça. Os mecanismos repressivos de natureza penal podem não ser suficientes para resolver o problema da corrupção, sendo essencial atacar o fenómeno logo na fase inicial, intervindo junto dos fatores que o facilitam.

Um ambiente opaco em torno da atuação do Estado e dos demais entes públicos está entre os primeiros fatores que facilitam a corrupção. E, por isso, propusemo-nos tomar medidas para tornar mais claras as relações com os decisores públicos: desde a regulação do lóbi – matéria em que o grupo parlamentar do PSD já apresentou um projeto de lei, mantendo-se o Governo a acompanhar a situação – ao aumento das funcionalidades do portal BASE – em que se pode aceder a informação detalhada, designadamente sobre contratos públicos, uma medida instrumental para o fomento da transparência e da sujeição da atividade pública a maior escrutínio.

No âmbito das autarquias locais, em que se centra parte significativa das denúncias de corrupção (48,5% das comunicações feitas ao Mecanismo Nacional Anticorrupção reportam-se a eventos ocorridos no nível autárquico) pretendemos introduzir um novo dinamismo, reforçando o quadro institucional das inspeções, de avaliações e auditorias regulares, centradas na contratação pública, no urbanismo e na própria gestão e administração dos órgãos autárquicos.

Acresce que a execução de uma política de descentralização, como atualmente se perspetiva, com a inerente transferência de competências da Administração Central para as Autarquias Locais, representará, também, um reforço das necessidades de acompanhamento e fiscalização da atuação dos órgãos locais.

Em articulação com as áreas governativas da Presidência do Conselho de Ministros, das Finanças e da Coesão Territorial, estamos a ponderar a melhor solução para a autonomização desta vertente inspetiva, que esperamos poder apresentar em breve. Com a extinção da antiga Inspeção-Geral da Administração Local (IGAL), no tempo da Troika, as suas competências foram transferidas para a Inspeção-geral de Finanças (IGF). No entanto, a IGF não está especialmente vocacionada para assegurar, com eficácia, a necessária função de controlo e pedagogia para o cumprimento. As autarquias serão as principais beneficiadas com a atuação preventiva de órgãos inspetivos, obtendo segurança jurídica quanto ao desempenho das suas funções e evitando a jusante o cometimento de infrações.

Estamos a estudar a melhor forma de dotar a Administração Local de apoio inspetivo eficaz, que ajude as autarquias a evitar e a detetar o fenómeno corruptivo.

Mas outra mudança relevante será a do quadro institucional do sistema de prevenção da corrupção. Criado no final de 2021, o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) é responsável não só pela aplicação das sanções previstas no Regime Geral da Prevenção da Corrupção (RGPC), mas, sobretudo e antes do mais, pela divulgação e esclarecimento do RGPC junto dos seus destinatários: a generalidade das entidades, públicas e privadas, com mais de 50 trabalhadores. De forma a dar mais eficácia à atuação do Mecanismo, comprometemo-nos, na Agenda Anticorrupção, a rever a sua estrutura de governança, que é excessivamente centrada no Presidente.  O Ministério da Justiça vai apresentar à discussão e aprovação do Conselho de Ministros uma proposta de alteração ao Decreto-Lei que institui o MENAC, que visa criar um órgão colegial de direção, reduzir o mandato de seis anos não renováveis, para quatro anos com possibilidade de uma renovação, em linha com as Entidades das Contas e da Transparência. E ainda, para superar algumas condicionantes relativas ao recrutamento, dotar o organismo de um quadro próprio de pessoal, que não lhe foi dado desde a sua criação.

A educação das gerações mais novas para uma cultura de integridade é outra das nossas preocupações.  Sem ela todos os esforços serão em vão. Com o Ministério da Educação estamos a preparar a inclusão, no âmbito da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, de um referencial dedicado à promoção da ética e da integridade. Pretendemos igualmente adotar uma abordagem destes conteúdos no currículo das várias disciplinas, nomeadamente no âmbito do desporto escolar, em que ganha relevo a promoção de uma cultura de fair-play, com reflexos na prevenção da manipulação de competições e da corrupção desportiva. O objetivo é ter estes conteúdos disponíveis já no próximo ano letivo.

Por maior investimento que se faça na prevenção e na educação, a atuação repressiva e punitiva por parte do Estado é indispensável, apurando as responsabilidades individuais pela prática de atos de corrupção e aplicando as correspondentes sanções. A repressão eficaz das condutas corruptivas constitui ela própria um meio de prevenção deste fenómeno.

Até 31 de janeiro de 2025, teremos uma proposta de criação de um novo mecanismo de confisco de bens, em linha com a recente Diretiva da União Europeia e com a Constituição, a nossa linha intransponível.  Teremos também a regulação processual adequada dos mecanismos já existentes, cuja eficácia e justiça, do ponto de vista da proteção dos direitos fundamentais, se encontra comprometida devido às lacunas legislativas que subsistem.

Ambas as medidas são objeto de um grupo de trabalho constituído por eminentes especialistas, tanto ao nível teórico como da prática dos tribunais, que deverá entregar um anteprojeto de diploma no início do próximo ano.

Reforçar os meios de combate à corrupção implica tornar o sistema de justiça penal mais lesto e eficaz.  Depositamos fortes expectativas na digitalização e desmaterialização da fase do inquérito penal, meta há muito almejada e que este Governo concretizou, estando em vigor desde o dia 3 de dezembro, com sucesso refletido nas mais de mil notificações eletrónicas feitas no primeiro dia.

No início de 2025, será constituído um grupo de trabalho para elaborar uma proposta de alteração do Código de Processo Penal, no sentido de promover a celeridade processual e da eficácia da justiça penal, nomeadamente no âmbito dos megaprocessos.

Ainda muito há a fazer, e o Governo está ciente das dificuldades que importa superar. Mas firme é a nossa vontade de dinamizar a prevenção e combate à corrupção em Portugal.

Sabemos que o combate é longo, mas só atuando nestas diversas frentes podemos mudar a “história do filme”, consolidando uma sociedade em que a corrupção não fique impune e a intolerância com fenómenos corruptivos seja um valor enraizado na própria sociedade.





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