Recentemente fui o promotor de um estudo realizado pelo Movimento pela Democracia Participativa (MDP) que destacou a existência de uma questão central e, por resolver, no funcionamento das democracias modernas: a comunicação entre eleitos e eleitores. Ao analisar a responsividade dos deputados portugueses, este levantamento do MDP demonstrou não apenas que existe uma disparidade entre os deputados no nosso Parlamento no que respeita ao grau de compromisso com os cidadãos, mas também expôs os desafios sistémicos que limitam o diálogo efectivo entre representantes e representados.
O Estudo do MDP teve apenas 14 deputados respondendo à mensagem inicial enviada através do formulário no site da Assembleia da República, o que levanta questões importantes sobre a prioridade dada pelos parlamentares ao contacto com os cidadãos. A falta de respostas não pode ser dissociada de fatores como a sobrecarga de trabalho ou a ausência de recursos humanos (assessores) dedicados à importante área da gestão de comunicação. Contudo, também reflecte, em muitos casos, uma cultura de afastamento dos representantes em relação à base que lhes confere legitimidade e uma prioridade às redes e bolhas internas de poder que asseguram a inscrição e manutenção dos deputados nas listas de candidatos.
Embora a existência de um formulário de contacto no site do Parlamento seja positiva (até como uma forma de impedir o envio de anexos e malware para as caixas de correio dos deputados), o número reduzido de respostas prova que, talvez pela existência desse formulário para muitos deputados, este canal de comunicação com os eleitores é subutilizado ou desvalorizado. Esta falta de interacção é particularmente grave num momento em que a confiança nas instituições democráticas enfrenta desafios crescentes com o crescimento do Populismo e das ameaças de interferência estrangeira que as recentes eleições na Roménia demonstraram de forma absoluta e cabal.
O estudo do MDP termina apresentando um conjunto de propostas que reúnem as respostas dos deputados participantes, que apontam para caminhos viáveis para melhorar a comunicação entre cidadãos e os seus representantes. A implementação de plataformas tecnológicas específicas, o uso mais eficiente das redes sociais e a introdução de sistemas de gestão de contactos (CRM) são medidas que podem aproximar deputados e eleitores, tornando a política mais acessível e transparente e que foram sugeridos por diversos deputados de várias forças políticas.
Ainda assim, é importante ir além da tecnologia. É necessário fomentar uma “cultura de resposta”, como apontado com muita acuidade por alguns dos deputados. Este autêntico “salto quântico” cultural que falta fazer envolve não apenas recursos, mas também, e sobretudo, uma mudança de mentalidade. Os eleitos devem reconhecer que a interacção directa com os cidadãos é um pilar essencial da democracia representativa e que sem cidadãos não há democracia nem que não existe “democracia” quando apenas há contactos com os cidadãos de quatro em quatro anos.
Uma das propostas mais relevantes compilada neste estudo é a de educar os cidadãos sobre como e quando comunicar com os seus representantes. Esta é uma via em bitola dupla: enquanto os deputados devem estar mais abertos ao diálogo, os cidadãos também precisam compreender como participar de forma efectiva e construtiva no processo democrático. O distanciamento não se limita à esfera institucional, sendo também reflexo de um desinteresse e desconhecimento generalizado da população sobre os mecanismos de participação disponíveis.
Por fim, gostaria de sublinhar que a comunicação entre deputados e cidadãos não deve ser vista como um favor ou uma concessão, mas como uma responsabilidade intrínseca ao mandato parlamentar e democrático. Deputados não são apenas Legisladores; são representantes que devem ouvir, compreender e responder às preocupações de quem os elegeu.
A democracia portuguesa ainda tem um longo caminho a percorrer para se tornar mais participativa e responsiva. Contudo, estudos como este do MDP são – sem dúvida – passos importantes para iluminar as áreas cinzentas da representação democrática e propor soluções prática e concretas. Resta agora aos deputados e à sociedade civil a tarefa de implementar as mudanças necessárias para fortalecer a confiança e a proximidade entre eleitos e eleitores. Ao fim de contas, uma democracia forte só é possível quando há diálogo genuíno entre todos os seus actores e só uma democracia robusta pode resistir eficazmente a qualquer deriva populista.