Faltam agora cinco minutos para o espectáculo começar e na plateia começo a ouvir o frenesim entusiasmado das escolas da honesta e sempre leal junta de freguesia de Arroios. Junta-se a nós o Jocka, que, juntamente com a sua trupe de acrobatas, abrirá o espectáculo desta manhã, com o número em que, preso a um tecido que se ergue no ar, fará a cabeça rodar, segundo as minhas contas, 7200º antes de, enfim, repousar no chão. O Jocka, cujas feições e maquilhagem me fazem lembrar (não me perguntem porquê) o António Variações, nasceu em Lisboa e cresceu encantado pelo circo e em especial pelos trapezistas. Os pais perguntavam-lhe se era mesmo uma vida de caravana a que queria e eu, em termos talvez menos chorosos, pergunto-lhe o mesmo. Ele diz que ao longo de trinta anos de carreira já visitou 192 países e que gosta de viajar, mas diz que seria igualmente feliz se tivesse trabalhado a vida inteira num circo em Lisboa. Ao ouvi-lo, percebo que lhe é relativamente indiferente o que se passa aqui em baixo. A vida parece-lhe um prelúdio entediante, um intervalo para publicidade, enquanto espera o momento em que sobe ao céu redondo vermelho e amarelo da tenda do circo, arriscando-se a cair desamparado, com a certeza de quem sabe não ser esse o seu destino.
A seguir, converso dois ou três minutos com o Barry Lubin, um palhaço septuagenário mascarado de velha trapalhona. Fala-me da sua infância tímida em Nova Jersey e da revelação que sentiu no dia em que, ao passear de bicicleta com os amigos, deu um trambolhão de todo o tamanho e ouviu os amigos rirem à gargalhada, depois de perceberem que não se magoara. A partir daí, passou a procurar de todas as maneiras cair melhor. Ao vê-lo atuar, atirando pipocas para o público, caminhando aos tropeções, apertando o que só posso definir como almofadas de peidos, percebo que a presença do palhaço no circo talvez seja o momento em que, perante o maravilhoso espanto que nos causa as demonstrações de mestria dos outros artistas, nos rimos da nossa incapacidade para os imitar. Ou talvez seja da almofada de peidos, fenómeno que, de facto, tem muita piada.
Entrevisto ainda um casal chileno que percorre o mundo, acompanhado do filho de três anos, a fazer malabarismos em bicicleta. O homem tem a cara mais teatral que já vi e diz-me ser (e isto parece mais norma do que exceção) a sexta geração de uma família circense. Pergunto-lhe se já pensou em fazer outra coisa e ele diz que sim, que tentou, mas que nasceu para fazer os outros sorrirem. Quando o vejo atuar, tenho a certeza de que tem razão.