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Em plena crise política, partidos alemães reagem com cautela a atacante com perfil “surpreendente” – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Dez 21, 2024

O momento é de choque na Alemanha. E de cautela também. O violento ataque num mercado de Natal, que já matou cinco pessoas, surge num momento político conturbado e as reações dos responsáveis que vão a votos já em fevereiro de 2025 parecem refletir isso mesmo. Até porque, para já, as informações que surgem sobre o perfil do atacante — um aparente simpatizante do partido de extrema-direita AfD que dizia querer acabar com a “islamização da Europa” — surpreendem, e parecem ter alterado o padrão habitual na reação a este tipo de ataques.

Nos últimos anos, o rescaldo de ataques deste estilo tem-se repetido: o governo que está em funções é atacado pelas suspeitas de falhas de segurança ou, em vários casos, pelas políticas de imigração que adota; e a extrema-direita alemã é normalmente a autora principal dessas críticas, aproveitando estes ataques para reforçar a sua mensagem. Aconteceu em agosto, após um ataque com faca na cidade alemã de Solingen, perpetrado por um requerente de asilo sírio; e já tinha acontecido depois do ataque a um mercado de Natal em 2016, perpetrado por um requerente de asilo paquistanês, ainda durante o consulado de Angela Merkel como chanceler da Alemanha.

Mas desta vez, e com as informações que são conhecidas nesta altura, o cenário parece diferente — e os políticos parecem mais cautelosos. Como a imprensa alemã noticiou, dando destaque ao facto de o responsável pelo mais recente ataque “não ser um extremista islâmico”, os dados conhecidos até ver parecem indiciar o contrário: o psiquiatra de 50 anos, um saudita que vivia na Alemanha desde 2006, descrevia-se como um “ex-muçulmano”; criticava a religião e a suposta “islamização da Europa” com frequência, garantido que as autoridades alemãs estariam focadas em destruir o seu “ativismo anti-Islão”; e já tinha mostrado simpatia pela AfD.

O especialista alemão em terrorismo Peter Neumann resumiu a surpresa com o perfil do atacante: “Após 50 anos neste ‘negócio’ uma pessoa pensaria que nada a poderia surpreender. Mas um saudita e ex-muçulmano de 50 anos que vive no Leste da Alemanha, adora a AfD e quer castigar a Alemanha pela sua tolerância relativamente aos islâmicos — isso não estava mesmo no meu radar”, escreveu o diretor do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização e Violência Política no King’s College, em Londres.

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As reações políticas parecem, para já, hesitantes: a líder da AfD, Alice Weidel, partilhou um tweet em que comentou as imagens “chocantes” do ataque, deixando as suas condolências pelos mortos e feridos e deixando no ar a pergunta “quando é que esta loucura acabará?”, sem mais conclusões.

Uma reação bastante diferente das que o partido protagonizou nos casos anteriores de ataques violentos, na altura cometidos por requerentes de asilo, na Alemanha. Em agosto, a imprensa internacional registava que, ainda antes de se conhecerem detalhes sobre o perfil do atacante, responsáveis locais da AfD como o candidato Björn Höcke — que se tornaria em setembro o principal responsável pela primeira vitória da extrema-direita a nível estatal no país — sentenciavam: “Alemães, querem mesmo habituar-se a estas condições? Libertem-se, ponham finalmente um fim ao caminho errado da multiculturização”, escreveu o candidato na rede social X.

Na altura, o partido escreveu na mesma rede social que os maiores partidos não fariam nada para mudar a situação e que promoveriam até uma política de “fronteiras abertas com ainda mais imigração”.

Já em 2016 o Politico escrevia que a AfD “não esperou para capitalizar com a tragédia” do mercado de Natal e “enfraquecer a campanha de reeleição” que Merkel protagonizava na altura, com a então líder da AfD, Frauke Petry, a culpar a chanceler pelo “ambiente negligente” que levara ao ataque — depois de o governo alemão ter decidido permitir a entrada a refugiados via Hungria — e um dos candidatos às eleições regionais, Marcus Pretzell, a declarar simplesmente, momentos depois da notícia do ataque: “Estes são os mortos de Merkel”. O partido foi crescendo ao mesmo tempo que ia promovendo um discurso anti-imigração e que ia aumentando o tom das suas críticas às políticas relativas à imigração e à entrada de requerentes de asilo no país.

Desta vez, a reação parece mais cautelosa — também do lado do governo. Depois de se ter deslocado ao local do ataque, o chanceler alemão, Olaf Scholz (do SPD), deixou uma mensagem de condolências e de preocupação com os feridos e, numa altura em que — até ver — está a ser mais poupado do que governos anteriores, tentou deixar uma mensagem genérica de união: “Devemos manter-nos unidos. O ódio não deve ser o fator que determina as nossas ações”. Após o ataque de agosto, o executivo não tinha hesitado em prometer medidas mais duras para a deportação de imigrantes que cometessem alguns crimes; desta vez, ainda não há qualquer indicação nesse sentido.

Se a oposição alemã ainda não apontou baterias ao executivo, as primeiras críticas já apareceram — mas surgiram, em rigor, fora da Alemanha e diretamente da futura administração norte-americana, pela mão de Elon Musk.

O bilionário escolhido por Donald Trump para liderar o “Departamento de Eficiência Governamental” não demorou a reagir no X, respondendo a um tweet que acusava o governo alemão de ter recusado extraditar o atacante — apesar de alegadamente a extradição ter sido pedida pelo executivo saudita. “Uau, isto é de loucos. Quem recusou extraditar um assassino deve ser duramente castigado!”. Num comentário, acrescentou que Scholz é um “tolo incompetente” e deveria renunciar imediatamente ao cargo.

Os comentários de Musk surgem depois de já ter mostrado apoio público à AfD. Na sexta-feira, escreveu que “só a AfD pode salvar a Alemanha” e recebeu uma resposta entusiástica de Alice Weidel: “Sim! Está completamente certo!”, escreveu a líder do partido alemão, incentivando Musk a ver uma entrevista sua sobre “o Presidente Trump, como a socialista Merkel arruinou o nosso país, como a União Europeia Soviética destrói a economia dos países e sobre a Alemanha disfuncional!”.

O apoio de Musk suscitou reações de outros partidos e até do governo, com Scholz a disparar: “A liberdade de expressão aplica-se a multi-bilionários, mas também significa que se pode dizer coisas que não são corretas, nem são bons conselhos políticos”. Na CDU, Alexander Throm disse estar “surpreendido” com o apoio de Musk à AfD, frisando que o partido “não vai governar” e por isso não poderá protagonizar nenhuma mudança, e mais à esquerda ouviram-se acusações de “inteferência” nas eleições americanas.

Anton Hofreiter, dos Verdes, classificou mesmo a AfD como um grupo de “traidores comprados por bilionários” e “fascistas que não só foram comprados por Putin como agora são apoiados por um bilionário-transformado-em-extremista-de-direita”.

O ataque, cujo rescaldo pode resultar em sérias ondas de choque políticas — a julgar pelas reações a ataques anteriores –, surge num cenário político particularmente conturbado na Alemanha. Nesta altura, o governo de Scholz está de saída — a sua queda foi ditada pela rejeição de uma moção de confiança no Bundestag, este mês, num momento em que o país atravessa uma séria crise económica — e caminha para eleições, que acontecerão em fevereiro.

As sondagens atuais, citadas pela imprensa alemã, apontam para uma provável vitória dos conservadores da CDU (por volta dos 33%, segundo números referidos pelo Deutsche Welle) e uma AfD a chegar ao patamar dos 19%, ficando em segundo lugar nos estudos de opinião. Ainda assim, com os restantes partidos a recusarem formar coligações com os dois mais bem colocados nas sondagens, as previsões sobre um futuro governo alemão são particularmente difíceis de fazer. Resta saber se o ataque desta sexta-feira, e as informações que se forem conhecendo sobre os moldes em que aconteceu, poderão influenciar a corrida.

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