Por que razão, ao fim de 50 anos de democracia, Portugal se mantém um país com miséria, baixa produtividade, no fundo da tabela europeia? Somos um país rico, crescemos muito nas últimas décadas, mas persistem por cá traços da pobreza de outrora.
A explicação é evidente. Nos últimos meses tem sido quase doloroso observar a multidão de políticos, do Governo e Oposição, atropelando-se para aprovar medidas abertamente contrárias ao interesse nacional. Muitos atribuem isso à má qualidade da classe dirigente, incompetente e corrupta. Só que, embora esses elementos não sejam de afastar, tais acusações simplistas são injustas. A principal causa do desastre está mais ligada a duas falácias democráticas que explicam boa parte dos males da nossa situação.
O primeiro engano é a ideia que basta legislar um propósito para que ele se verifique na realidade. Esta é a principal razão de o nosso crescimento andar bloqueado há 20 anos. A regulamentação laboral constitui um exemplo flagrante e muito influente deste erro. Portugal tem um mercado de trabalho evidentemente disfuncional no quadro da União: salários baixos, grande desigualdade, emprego precário. Por outro lado, na ânsia de proteger os “direitos dos trabalhadores”, as leis que regem o setor são muito mais restritivas que as de quase todos os nossos parceiros. Certamente as duas coisas estão ligadas. Os empregados nos outros países da Europa são muito mais ricos e felizes apesar de estarem legalmente muito mais desprotegidos que os nossos. E todos os políticos portugueses se esforçam por tratar os males da nossa mão-de-obra com doses adicionais da terapia que gerou o problema.
Por exemplo, hoje sabemos que, quer os Governos de Esquerda nos últimos oito anos, quer o Governo de Direita dos últimos oito meses, têm em comum a predileção pela subida do salário mínimo muito acima da inflação. A justificação é que esse valor se mantém o mais baixo da Europa. Isso é verdade em termos nominais; mas se virmos o salário mínimo em percentagem do salário médio, única forma séria de fazer a comparação, o nosso nível de 55,1% é o mais alto de toda a União. Em consequência, a obsessão com a elevação do salário mínimo (que o Estado faz sem custo, pois as empresas é que pagam), tal como as outras múltiplas restrições laborais, distorce fortemente o mercado de trabalho, espremendo o leque salarial, estrangulando as empresas mais fracas e prejudicando os trabalhadores menos produtivos. As medidas de que os nossos políticos tanto se orgulham são realmente formas de promoção de pobreza. Nós não temos salários mínimos baixos; eles estão acima de todos os países mais ricos que nós. Por isso os nossos trabalhadores são pobres.
A segunda falácia é achar que o povo é composto por aqueles grupos que gritam, reivindicam e exigem direitos. Os nossos responsáveis parecem ignorar que esses, precisamente por terem voz, são privilegiados. Os que deviam merecer atenção do poder são aqueles de quem ninguém fala. Isto explica porque, ao fim de décadas de medidas de promoção da justiça social, ela se mantém teimosamente ausente. O que esses esforços conseguem é esquartejar o pouco desenvolvimento que temos a favor dos grupos habituais.
Por exemplo, hoje sabemos que com todos os governos, de Esquerda ou de Direita, se sobem as pensões. Também aqui o argumento é o combate à pobreza e desigualdade (desta vez é o Estado quem paga), pois o país tem as reformas mais baixas da União. Mas, de novo, se virmos a taxa líquida de substituição das pensões, comparando com o salário anterior, o valor português são uns impressionantes 98,8%, o mais alto da EU e da OCDE, mais do dobro de países “atrasados” como os EUA, Suíça, Canadá ou Japão. Assim, na ânsia de subir as pensões, cria-se uma Segurança Social insustentável, espremendo a economia com encargos que beneficiam os eleitores favorecidos.
Portugal é um país desenvolvido, mas mantém há décadas uma economia de baixo dinamismo e forte desigualdade, onde largas camadas da população vivem em condições degradantes. As causas são várias, mas no primeiro plano surgem as políticas que bloqueiam e dispersam o desenvolvimento nacional, constituindo uma verdadeira máquina geradora de pobreza.
Em vez de estorvar e despedaçar a nossa economia, quais deviam ser as prioridades da política? A resposta é simples: aumentar os salários, que se mantém dos mais baixos da Europa. Claro que os políticos sabem disso, dirigindo muitos esforços nesse sentido. Sem compreenderem que são precisamente esses esforços desastrados que impedem tais resultados.
Infelizmente para a nossa classe dirigente, a única maneira segura de subir a média salarial é apostar em investimento de qualidade, que aumente a produtividade. Mas esse é “o grande capital”, tradicional inimigo de estimação, culpado de todos os males, apesar da sua patente carência. Assim, nos 50 anos de democracia, Portugal está nos fundos da tabela europeia.