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elas estão a mudar as regras deste jogo de meninos – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Dez 27, 2024

1994 foi um ano histórico para o hip-hop nacional. O motivo? O lançamento de Rapública, o primeiro registo discográfico do género a ser gravado em Portugal. Reunindo nomes como Funky D, Boss AC ou Black Company, o álbum assumia-se como um trabalho agregador dos artistas e coletivos que, de forma exploratória, começaram a desbravar o caminho do hip-hop tuga. Porém, como em tudo na História, há tanto de incluso como de omisso em Rapública, desde logo as vozes femininas. Vozes como, por exemplo, as MCs do coletivo Divine ou as Djamal, o primeiro grupo de mulheres a lançar um álbum de rap em Portugal (Abram Espaço, 1997), que se formaram precisamente no ano de 1994.

Desde a sua fase embrionária, em que a cultura hip-hop se implementou nos bairros periféricos dos principais centros urbanos, até ao momento atual, com o movimento a crescer em fãs, praticantes, geografias e até em espetros sonoros, que vão do jazz à música eletrónica, as mulheres viram subvalorizadas as suas narrativas. Soraia Simões de Andrade, no livro Fixar o (in)visível: Os primeiros passos do RAP em Portugal (1986-1998), dá nota disso mesmo: assuntos de “violência com base no género e o sexismo”, relatados nos discursos das primeiras rappers portuguesas, foram praticamente excluídos do cânon que se veio a instalar.

Pese embora a globalização e a democratização, o rap continua a ser um meio muito masculinizado. Um “boy’s club” ou, se preferirmos, um “balneário onde a menina não entra”, como explicaram Capicua e Chong Kwong ao jornalista Ricardo Farinha, em Preconceito, obstáculos e resiliência: qual é a experiência das mulheres no rap português?. As críticas apontadas por pioneiras como Djamal, Telma Tvon, Denise, Dama Bete e Capicua, encontram ressonância nas críticas enumeradas pelas artistas que estão hoje a dar os primeiros passos: comentários condescendentes, abordagens de produtores com segundas intenções, dificuldade em entrar nos circuitos artísticos e encontrar espaços seguros para gravar e apresentar trabalho são algumas das barreiras que Joana Pacheco, Máry M, Muleca XIII, redoma, Tsuki e Vanessa Parish Crooks afirmaram ter tido de enfrentar.

Isso nunca impediu, contudo, que as mulheres ao longo dos anos se enchessem de força, beats e rimas para fazer frente ao status dominante. Muitas das estratégias adotadas passaram pela formação de grupos que funcionavam tanto como um ponto de encontro como um lugar de profissionalização. As Hip Hop Ladies, o fórum criado em 2000 por Dama Bete e que posteriormente deu origem a eventos em salas e clubes, foi talvez a primeira grande manifestação desta coletivização. Já em 2017, Capicua começou a organizar no Porto e em Lisboa os encontros Conselhos da Tribo, para que jovens artistas se pudessem conhecer, tirar dúvidas e trocar contactos. Nesse mesmo ano, o Hellas, idealizado por Denise, lançava a sua mixtape. Em 2022, este projeto que pretende dar visibilidade e ferramentas de criação a rappers emergentes, apresentou uma compilação de 19 faixas inéditas, com a participação de, entre outras, Shiva, Peki, Nemesy, Landisch, Lady S, Lady N, Kika G, Chininha, Chikita, BLvck P, ADN e Eve II.

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Mais recentemente, foi o She Raps a dar um passo importante neste trajeto de empoderamento do hip-hop feito por mulheres. O projeto, que teve origem em França, em 2021, chegou este ano a Portugal e abrangeu 10 rappers portuguesas que, durante duas semanas, tiveram aulas na academia Skoola sobre aspetos tão distintos como técnicas de voz e de escrita, produção, comunicação, postura em palco ou dicas sobre como lidar com editoras, técnicos, empresários e agentes do meio musical. Vanessa Parish Crooks, Máry M e Tsuki foram as três finalistas, que em fevereiro vão participar numa residência artística na Croácia. Daí seguem para uma digressão por vários festivais e palcos europeus com as eleitas das outras edições nacionais do She Raps.

Como canta Tsuki, a mudança neste jogo de meninos já está a acontecer. Quanto maior o conhecimento e a autonomia de criação e quantas mais referências femininas surgirem no hip-hop, mais a diversidade se tornará uma inevitabilidade. Venha daí a RAPvolução.

Somos a raça e a batida dentro duma revolução
E a cada voz que é oprimida, damos mais uma saída
Damos mais uma canção
Somos mulheres, somos as filhas de uma sina
Que rasgam essa cantiga de viver numa opressão”

(Nossa Arte, Eve II, Hellas, 2022)

Quebrar as regras, com beleza

Ela chega exaurida à cantina da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE), no Porto. A semana tem sido exigente para Joana Pacheco, com a entrega da tese de mestrado a queimar-lhe as pestanas. “Estou a fazer mestrado em Ensino de Música, vertente canto”, diz a estudante de 26 anos, com um montão de pautas debaixo do braço.

No sotaque, nota-se-lhe a insularidade, mas não é só na fala que Joana carrega os Açores. “O sotaque é uma pequena coisa do universo de se ser açoriano”, diz esta terceirense, lembrando Vitorino Nemésio e o seu ensaio sobre a açorianidade.





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