• Seg. Set 23rd, 2024

o que revela o relatório final – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Mar 13, 2024

Alegando que “o relatório refere padrões de conduta, ou seja, situações que foram sendo praticadas ao longo dos anos, mas que não foram concretizadas no tempo e no espaço, praticadas por pessoas que exerciam posições superiores na hierarquia do CES”, o fundador do centro de estudos recorda “a esse propósito que o CES tem, em termos de órgãos, Direção, Conselho Fiscal, Assembleia-geral, Comissão de Ética, Conselho Científico e Provedoria”. De seguida conclui: “Não faço parte de nenhum deles desde 2010. O relatório também refere que, apesar de os homens se terem mantido mais tempo nos órgãos de gestão, a maior parte daqueles cargos foi ocupada por mulheres. Essa realidade pode explicar que dos 14 denunciados, 9 sejam mulheres”.

Apesar de fazer esta análise, reforça nunca ter tido informação sobre estes casos: “Quanto a mim, não tive conhecimento dessas situações”.

E mais, diz estar de acordo que o apuramento dos factos não se fique por este relatório: “Seja na esfera judicial ou disciplinar, espero que a Direção do CES dê seguimento a qualquer indício de infração – como comunicou que faria – e que, pela minha apreciação do relatório e no me que diz respeito, não existe”.

“Acredito que as mais de 600 páginas de prova que juntei ao processo tenham contribuído para que nada de objetivo contra mim tenha sido concluído. Espero que, apesar das limitações que revelou, este processo sirva de exemplo para futuro. Quero acreditar que abre um caminho de esperança para um melhor desempenho, a todos os níveis, tanto do CES como de todas as instituições de investigação”, remata.

Além das conclusões, a comissão deixou várias recomendações. Nomeadamente no que diz respeito a mecanismos estruturais para planear e combater casos de abuso e assédio sexual no CES, sugerindo mesmo uma provedoria em que o provedor não seja eleito pelo diretor, como acontece atualmente. Em vez disso, sugere que a função de provedor seja “desempenhada por uma pessoa da comunidade académica”, “eleita diretamente pelos membros da instituição (estudantes, investigadores/as, pessoal técnico)”, ou caso seja externa à comunidade, seja eleita por “uma comissão constituída por representantes da comunidade do CES (estudantes, investigadores/as, pessoal técnico)”.

O relatório fala ainda da necessidade de participação efetiva dos membros da comunidade nos órgãos do CES, para dar “espaço e voz a qualquer elemento da comunidade, para garantir acessibilidade e diversidade cultural e profissional representativa da comunidade”. “Neste sentido […], é recomendável que os estudantes tenham representação efetiva no Conselho Científico, na Comissão de Ética e em outros órgãos em que os assuntos discutidos lhes dizem, direta ou indiretamente, respeito”, sublinha o documento.

Em termos de medidas, a comissão sugere ainda que sejam organizadas ações de capacitação da comunidade – como “campanhas de sensibilização” e “dinamização semestral de iniciativas sobre deontologia e ética para a comunidade – e seja feito um Plano de Integridade, considerando “a orientação do controlo e da avaliação dos atos administrativos da Instituição e dos seus agentes, visando a prevenção e mitigação de vulnerabilidades eventualmente identificadas”, e promovendo a “transparência ativa e o acesso à informação correta” e “atuação no tratamento de conflitos de interesses, favoritismo e nepotismo”.

Ao mesmo tempo em que foi publicado este relatório final, a direção do CES apresentou publicamente “um pedido de desculpas” às “vítimas de comportamentos de assédio ou abuso no contexto de atividades do CES” pela “experiência pela qual passaram, pelo sofrimento pessoal que daí terá resultado, e pelo silêncio que tiveram de enfrentar no seio do CES”.

“Se é certo que as situações reportadas resultaram de ações individuais, sobre as quais iremos agir, não deixam, também, de resultar de falhas institucionais que, na ausência de mecanismos adequados para a prevenção do assédio, permitiram condições para formas de abuso de poder”, apontou a direção, num comunicado divulgado no site do CES.

Surgiram pintadas a verde e nem a lixívia conseguiu apagá-las. As paredes do CES da Universidade de Coimbra voltaram a ficar brancas, mas as frases “Fora Boaventura” e “Todas sabemos”, que apareceram e desapareceram várias vezes no ano de 2018, continuaram bem presentes na memória de muitos, sobretudo de quem se reviu nelas.

Publicado a 31 de março do ano passado no livro “Sexual Misconduct in Academia”, um dos capítulos contava as experiências de três investigadoras com assédio sexual numa instituição universitária por onde tinham passado. Apesar de nunca referirem os nomes do CES, nem do à data diretor Boaventura Sousa Santos, o próprio rapidamente se viu retratado nas descrições.

Aliás, o sociólogo chegou mesmo a ameaçar avançar com um processo-crime por difamação contra as autoras do texto, negando todas as acusações, nomeadamente que alguma vez tivesse tido “reuniões com Miye Tom e Catarina Laranjeiro”, tendo apenas tido “duas reuniões com Lieselotte Viaene”.

Boaventura ameaça com processo crime. Mas não há difamação quando o alvo, “só por suposição, poderia ser adivinhado”

“Apesar de o artigo estar centrado na minha pessoa, nunca tive reuniões com duas das autoras (Miye Tom e Catarina Laranjeiro) e com a terceira, a principal autora (Lieselotte Viaene), tive duas reuniões, uma como seu supervisor do estágio Marie Curie quando chegou ao CES e outra como diretor estratégico do CES, a pedido do diretor executivo, para tentar resolver os problemas do comportamento incorreto e indisciplinado do ponto de vista institucional desta investigadora. O seu comportamento foi de tal ordem insolente e incorreto que o CES acabou por lhe abrir um processo disciplinar e não aceitou que ela indicasse o CES como instituição de acolhimento num projeto de candidatura ao European Research Council”, escreveu, na carta aberta “Diário de uma difamação-1”, citado pelo Diário de Notícias.

Boaventura Sousa Santos acusou ainda Lieselotte Viaene de ter cometido “um ato miserável de vingança institucional e pessoal”. “Nada dito justifica esta diatribe contra uma instituição e ainda por cima tão personalizada contra alguém que no máximo foi absentista na sua orientação”, sublinhou.

O capítulo era centrado no Professor-Estrela, a personagem com características semelhantes a Boaventura Sousa Santos, descrito com alguém que “estabeleceu uma escola académica de pensamento, que apela a estudantes de doutoramento e investigadores juniores de todo o mundo”. Já o CES, era referido como uma “instituição” que “está sediada num país onde poucos financiamentos públicos são atribuídos à investigação científica” mas que, “graças ao seu perfil internacional, conseguiu atrair grande parte dos financiamentos de investigação nacionais e internacionais, o que a fez crescer muito rapidamente”.

O texto referia ainda que o sociólogo tinha o cargo principal na instituição, o que significava “uma identificação pessoal entre ambos” – o professor era a instituição e a instituição era o professor –, e que havia muitos investigadores a trabalhar “em condições bastante precárias, o que os tornava vulneráveis ​​a abusos de poder institucionais”.

Com o Professor-Estrela como protagonista, havia ainda duas personagens secundárias (fora as três investigadoras, que entravam na história como narradoras): o Aprendiz (Bruno Sena Martins, assistente de Boaventura) e a Vigilante. Ambos eram amigos íntimos do primeiro, sendo que a Vigilante mantinha uma relação muito próxima com o professor.

“O Aprendiz foi considerado por muitos como o braço direito intelectual do professor e o seu sucessor” e tinha o dever de receber os doutorados estrangeiros, estudantes e outros jovens investigadores, assim como a Vigilante. “Faziam o papel de porteiros, ‘indivíduos que facilitam o acesso ao grupo… pessoas chave que nos deixam entrar, nos dão permissão, ou concedem acesso’ (O’Reilly 2009) para novos investigadores que desejassem envolver-se nas diversas atividades de pesquisa do grupo em torno do professor”, descrevia o capítulo.

No capítulo, as investigadoras recordam que “certa vez, o Aprendiz convidou os alunos para uma festa em sua casa”. “Rindo, disseram que ele provavelmente estava a planear uma orgia. Essa piada revela uma ambivalência: os seus alunos sentiam-se empoderados ao serem convidados no sentido de pertencerem ao círculo interno. Alguns até estavam cientes dos perigos, que negaram com humor”, continuaram, apontando ainda que “convidar estudantes e jovens investigadores para espaços fora do centro tornava-os mais vulneráveis”.

“Os jovens investigadores ficavam por vezes muito isolados, como foi o caso da antiga estudante internacional de doutoramento e da antiga investigadora pós-doutorada que tiveram conhecimento do comportamento habitual de aliciamento e extrativismo sexual do Aprendiz tarde demais“, denunciaram ainda as autoras do texto.

Dias após a publicação do texto, a direção e a presidência do Conselho Científico do CES anunciaram que ambos tinham sido suspensos “de todos os cargos que ocupavam” na instituição, “até ao apuramento de conclusões” da comissão. O CES demarcou-se de todas as acusações e das “posições assumidas publicamente por Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins, nomeadamente no que respeita à intenção de avançar judicialmente contra as autoras”.

Na conferência de imprensa realizada na tarde desta quarta-feira, Tiago Santos Pereira, diretor do CES, lembrou ainda que Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins se auto suspenderam. E que agora será feita uma análise jurídica para efeitos de eventuais processos disciplinares aos denunciados.



Source link

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *